Quem tinha uma réstia de esperança num fio de hipótese de a mídia corporativa ter caído na real, aprendido alguma coisa após o desmascaramento e desmoralização da Operação Lava Jato, pode ter dado um salto no início da tarde desta segunda-feira, 7, quando o UOL, maior portal de notícias do país e ligado ao Grupo Folha, anunciou um “acordo editorial” com os sites lavajatistas O Antagonista e Crusoé, ambos do antigo enfant terrible da Veja, provocador, notório antipetista Diogo Mainardi.
“No momento em que o Brasil começa a acompanhar de perto as pré-candidaturas à Presidência da República e o início da corrida eleitoral, os sites aumentam a oferta de conteúdo político disponível para o público do UOL”, diz o texto de apresentação da joint venture lavajatista.
Eis um aperitivo da “oferta de conteúdo político” do Antagonista, agora amplificada via UOL: na noite desta segunda, já com o logotipo do UOL no alto da página, uma nota publicada no site de Mainardi tinha o título “Os Putins brasileiros” e a seguinte linha-fina: “No Brasil, populistas, como Lula e Jair Bolsonaro, adotam estratégia semelhante a do ditador russo, apostando na desordem”.
Em seguida aos “Putins brasileiros”, o próprio Diogo Mainardi redigiu outra nota para O Antagonista/UOL, esta repercutindo a declaração de Joaquim Barbosa sobre “o pecado de Moro” – para Barbosa, ter sido ministro de Bolsonaro. Na nota, Mainardi diz que “Moro corre risco de vida há mais de oito anos” e que o ex-juiz tem sido atacado “por denunciar os crimes de Lula e Bolsonaro”.
Está tudo resolvido: agora tem ali O Antagonista, o Mainardi, caso a Folha sofra algum ataque de pudores e não ouse repetir a equivalência entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro que publicou em editorial dias antes do primeiro turno das eleições 2018: “Perpassam as campanhas dos dois líderes nas pesquisas desejos de intimidar a imprensa, de reduzir o poder do Congresso e de alterar por meios oblíquos o modo de funcionamento do Supremo Tribunal Federal”.
Se o site Crusoé tem o nome que tem porque se pretende “uma ilha no jornalismo brasileiro”, é provável, muito provável, que o site O Antagonista tenha sido batizado assim em “homenagem” ao ex-presidente Lula. Em 2007, a editora Record publicou um livro de Diogo Mainardi intitulado “Lula é minha anta” – logo, O Antagonista.
Na orelha do livro, Mainardi escreve que “Lula é meu. Eu vi primeiro. Agora todo mundo quer tirar uma lasca dele. Até os jornalistas que sempre o apoiaram. Chamam-no de ignorante. Chamam-no de autoritário. Como assim? Lula tem dono. Só eu posso chamá-lo de ignorante e autoritário. O resto é roubo. Roubaram Lula de mim”.
Segundo o UOL, a chegada de Mainardi ao portal torna “ainda mais rica nossa oferta de opinião”…
Nosso novo colunista foi criado para combater o PT
No anúncio do “acordo editorial”, o UOL diz também assim, candidamente: “fundado há 7 anos, O Antagonista notabilizou-se pela defesa da operação Lava Jato, que cobriu intensamente”.
Que a operação Lava Jato tenha sido descoberta e se provado, no entanto, uma conspiração contra a Democracia brasileira, isso parece não ser sequer apenas um detalhe, nem isso, na equação em que “além do acordo editorial, as empresas passam a trabalhar no desenvolvimento de projetos especiais de publicidade, que serão levados conjuntamente ao mercado anunciante nas próximas semanas”.
“Também haverá intercâmbio de tecnologia e ferramentas com o objetivo de alavancar tanto a audiência dos sites como a performance técnica das plataformas”, comunica ainda o UOL.
Acerca de audiência e performance, no momento em que o “acordo editorial” era anunciado, a notícia mais lida n’O Antagonista era uma defesa feita pelo cicerone de Sergio Moro no Podemos, Kim Kataguiri, de seu correligionário e chapa de MBL Arthur “Mamei Falei” do Val, no caso das refugiadas ucranianas que seriam fáceis porque são pobres. A nota recebeu um título no melhor estilo lavajatista, para não dizer outra coisa: “Kim: ‘População se indigna mais com uma fala do que com uma atrocidade de gestão'”.
Em 2016, quando Kim Kataguiri, então com 19 anos de idade, foi contratado pelo Grupo Folha para ser colunista da Folha Online, o jornal informou também candidamente que o MBL, do qual Kim era coordenador, “foi criado no fim de 2014 para difundir ideias liberais e combater o PT”.
Na época, a chegada de Kim Kataguiri à Folha provocou grande indignação em muitos leitores do jornal. A então ombudsman da Folha, Vera Guimarães Martins, defendeu a contratação do novo colunista, em nome do “pluralismo de opiniões”, dizendo que Kataguiri iria escrever “só no site” e classificando a reação contrária de leitores como “raciocínio autorreferente”, por acreditarem que o espaço dado na mídia a mais um enfant terrible protofascista poderia vir a ser, imagina, “um problema para todos”.
A diferença entre feministas e miojo
Sobre os problemas que o Brasil enfrenta de lá para cá, e à luz dos casos de “Mamãe Falei” e do mais novo “acordo editorial” selado pela mídia corporativa brasileira, vale revisitar a maneira como a então ombudsman da Folha tratou um episódio que por si só deveria desqualificar seu protagonista para ganhar espaço em um grande jornal.
Em sua coluna publicada cinco dias após a estreia de Kataguiri na Folha, Vera Guimarães Martins escreveu assim:
“Leitores inconformados enviaram cópia de uma piada infame que ele postou na rede em 2014 (Qual a semelhança entre feministas e miojo? Ambos levam três minutos para ficar prontos e são comida de universitário). Em entrevista à TV Folha na terça, ele disse que o post foi feito quando tinha 17 anos [dois anos antes] e o MBL ainda nem existia, mas que não se arrepende dele – e deu uma explicação desconjuntada sobre feministas que querem o fim dos homens”.
E seguiu:
“Pena que, inteligente como é, Kim tenha perdido a oportunidade de fazer autocrítica. A comparação é uma ofensa a todas as mulheres, e essa cretinice juvenil vai perseguir sua figura como um zumbi de filme B. É, no mínimo, um erro de avaliação para quem diz ter ambições políticas”.
“Inteligente que é, pena não ter feito autocrítica”; “cretinice juvenil”; “erro de avaliação”.
E que salto que este país dá da cadeira, que surpresa, quem poderia imaginar, quando aparece um Arthur do Val, candidato a governador de São Paulo, agindo como agiu, um “Mamãe Falei” falando o que o falou.