Não, o gato não comeu a língua de Jair Bolsonaro, por mais que isso fizesse todo sentido: uma das explicações para a origem da expressão é que, antes de Cristo, em reinos muito, muito distantes, os soldados de exércitos derrotados tinham suas línguas arrancadas e atiradas aos bichos, nomeadamente aos bichanos.
A imprensa dá conta de informações de bastidores no sentido de que Bolsonaro estaria “apenas” calibrando, com aliados, um discurso no qual reconhecia a derrota, mas apontaria que foi vítima de “injustiças” no processo eleitoral.
Acontece que a noite desta segunda-feira, 31, já foi a segunda consecutiva de jornalistas dando conta de que, com a lua crescente estampada no céu, “já se apagaram as luzes do Palácio do Alvorada”, e nada de Bolsonaro falar – nem que aceita o resultado das urnas, nem que não aceita, nem nada.
Trata-se de um silêncio que já vai longo demais para quem estaria apenas escolhendo as melhores palavras para assumir que perdeu.
Entre os vitoriosos, circulam desde que o boquirroto emudeceu pelo menos três outras hipóteses para o mistério: ganhar tempo para destruir provas; tentar, diante da derrota com a qual não contava, amarrar um acordo de impunidade para si, ou para os filhos, ou para milícia inteira, antes de reconhecer ou deixar de reconhecer o que quer que seja; por fim, Bolsonaro estaria medindo as condições objetivas para uma derradeira tentativa de bagunçar o coreto.
A última é a hipótese mais provável, sobretudo à luz dos bloqueios das estradas, que começaram ainda na noite de domingo e rapidamente ganharam corpo e alcance impressionantes para um movimento “espontâneo”, “sem liderança”, do qual, isto sim, emana um fedor que empesteia os acostamentos em 26 estados brasileiros: o de ação coordenada com a Polícia Rodoviária Federal.
Mas à luz também do tuíte pós-eleitoral de Flavio Bolsonaro, que foi a pessoa mais presente ao lado do presidente não-reeleito desde o inicio da apuração, e que, no tuíte, falando em “erguer a cabeça” e “Deus no comando”, em nenhum momento reconhece a derrota do pai. Em outro tuíte, subsequente, Flavio diz: “Pai, estou contigo pro que der e vier!”.
Pode ser apenas um consolo, mas é impossível não lembrar da resposta do general Paulo Chagas, sempre no Twitter, quando o general Eduardo Vilas Bôas postou uma ameaça ao STF na véspera do julgamento do Habeas Corpus que poderia ter colocado Lula na eleição presidencial de 2018:
“Tenho a espada ao lado, a sela equipada, o cavalo trabalhado e aguardo suas ordens”.
Perto da zero hora desta terça, primeiro dia de novembro, as estradas começaram a ser desobstruídas, após Alexandre de Moraes sacolejar e retinir as chaves do xadrez. Vejamos se as luzes do Alvorada vão se apagar uma terceira vez antes do rato falar.