Num mau agouro para Jair Bolsonaro, a votação do relatório da CPI da Pandemia será feita justamente no aniversário de 10 anos das primeiras condenações de militares argentinos da Escola de Mecânica da Armada (Esma) por crimes contra a humanidade.
O relatório da CPI indicia Bolsonaro por crimes contra a humanidade, ainda que não tenha imputado ao genocida o crime de genocídio.
É a vida, mesmo quando se trata da morte.
Nesta terça-feira de desfecho da CPI que foi possível no Brasil, um jornal de Buenos Aires publica a impressão de uma sobrevivente da ditadura na Argentina a propósito dos 10 anos das condenações dos genocidas da Esma por crimes contra a humanidade: “fue el juicio que se pudo”.
“Aquela sentença foi uma vitória – disse Graciela Daleo -, apesar do julgamento e de todos os obstáculos e dos ataques das defesas e dos defendidos. Não foi o julgamento que considerávamos ideal, mas foi o que havíamos conseguido realizar e em cima disso tínhamos que nos afirmar e seguir em frente, seguir avançando, nunca aceitar um teto”.
Para resultar em condenações, o relatório da CPI da Pandemia terá que seguir em frente, seguir avançando também.
Sobre nunca aceitar um teto
Há exatos 10 anos, no dia 26 de outubro de 2011, doze repressores da Escola de Mecânica da Armada foram condenados à prisão perpetua e os outros quatro a penas entre 18 e 25 anos de xadrez. Dois réus foram absolvidos. A Esma foi o mais conhecido centro clandestino de detenção e tortura da ditadura na Argentina.
O julgamento, iniciado em 2009, só foi possível porque em 2003 o Congresso da Argentina aprovou um projeto do presidente do país na época, Néstor Kirchner, para revogação das leis do Ponto Final e da Obediência Devida, promulgadas na década de 1980 por Raul Alfonsín e que anistiaram os agentes da ditadura.
Naquela altura, em 2011, a Argentina já tinha condenado mais de 200 repressores da ditadura de Videla, Massera e Agosti, mas aquele primeiro julgamento de repressores da Esma foi considerado especialmente histórico, para seguir avançando.
Desde então, outros repressores da Esma foi condenados à perpétua, entre eles dois dos mais notórios carniceiros da ditadura argentina, Jorge Eduardo ‘El Tigre’ Acosta e Alfredo Astiz, em 2017. Em fevereiro deste ano, mais oito repressores da Esma foram condenados, três deles à prisão perpétua por crimes contra a humanidade.
No anos mais recentes, a Argentina acertou contas com agentes da ditadura que participaram dos chamados “Voos da Morte” e da Operação Condor. Há poucos meses, aconteceu no país a primeira condenação de um repressor da ditadura por crimes sexuais praticados em centros de detenção e tortura.
Os negacionismos
No próximo sábado, 30, o Espaço Memória e Direitos Humanos, que funciona no antigo prédio da Esma em Buenos Aires, fará uma cerimônia de homenagem aos sobreviventes da sangrenta ditadura argentina que “construíram a resistência à impunidade e enfrentam diariamente os negacionismos”.