Kassio Nunes Marques, líder do governo no Supremo (Foto: Felipe Sampaio/SCO/STF).

Quando Kassio Nunes Marques foi indicado por Jair Bolsonaro para render Celso de Mello no STF, e lá se vão dois anos, a imprensa teve dificuldades para arranjar imagem do incógnito.

Entre as poucas fotos disponíveis para fazer conhecer o rosto do até então inexplorado desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), a mais usada na época, de ruim resolução, mostrava Nunes Marques usando uma medalha dependurada de um colar azul bundinha. Tratava-se da Medalha do Mérito Judiciário Ministro Nelson Hungria, com a qual em algum momento o futuro líder do governo no Supremo havia sido agraciado.

Mas logo a cara de Nunes Marques foi aparecendo melhor. Não demorou para que algum fuçador descobrisse que ele havia roubado a “Naníbia”, com o segundo “n” e tudo, de um artigo do advogado Saul Tourinho Leal, entre pelo menos 10 trechos copiados e colados, e metido o país mal grafado na dissertação de mestrado que apresentou à Universidade Autônoma de Lisboa.

Trecho do artigo original, de Tourinho Leal:

“O art. 101 da Constituição da Naníbia diz que ‘os princípios da política de estado contidos neste Capítulo não devem ser, por si sós, exigíveis legalmente por qualquer Corte, mas deve, entretanto, guiar o governo na elaboração e aplicação das leis para dar eficácia aos objetivos fundamentais dos referidos princípios'”.

Trecho da dissertação de mestrado de Kassio Nunes Marques, sem citação ao original:

“O art. 101 da Constituição da Naníbia diz que os princípios da política de estado contidos neste Capítulo não devem ser, por si sós, exigíveis legalmente por qualquer Corte, mas deve, entretanto, guiar o governo na elaboração e aplicação das leis para dar eficácia aos objetivos fundamentais dos referidos princípios”.

E o que diria o ex-STF Nélson Hungria Guimarães Hoffbauer, “príncipe dos penalistas brasileiros”, soubesse ele que carregava-o no peito, a caminho do STF, um fulano que, pego inventando títulos em Espanha, culpou o tradutor do seu curriculum vitae?

E já que de Hungria falamos, o tradutor do currículo de Kassio Nunes Marques seria, assim, algo como o contrário de Gallus, o protagonista do conto “O tradutor cleptomaníaco”, do húngaro Dezsö Kosztolányi.

Gallus é sujeito culto, fino, poliglota, mas não resiste a subtrair o que lhe aparece pela frente. Durante uma viagem de trem, afana uma carteira e vai preso. Quando é solto, cai na miséria. Um amigo, com pena, recomenda-o a um editor, que incumbe Gallus da tradução do inglês para o húngaro do livro “O misterioso castelo do conde Vitsislav”. Semanas depois, o editor diz ao amigo de Gallus que não pagaria ao tradutor “nenhum vintém”, e mostra a ele, narrador do conto, o original e a tradução feita por seu protegido:

O manuscrito húngaro, para minha grande surpresa, assim trazia: “a condessa Eleonora estava sentada num dos cantos do salão de baile, vestida para a noite…”. Sem mais. A tiara de diamantes, o colar de pérolas, os anéis de brilhante, safira e esmeralda haviam desaparecido. Compreendem o que fizera esse infeliz escritor, merecedor de um futuro melhor? Simplesmente roubou as joias de família da condessa Eleonora, e, com a mesma imperdoável leviandade, roubou até o simpático conde Vitsislav, deixando das suas mil e quinhentas libras apenas cento e cinquenta, e da mesma forma surrupiou dois dos quatro lustres de cristal, e desviou vinte e quatro das trinta e seis janelas do velho castelo desgastado pelo vento. Tudo começou a girar ao meu redor. Minha surpresa só aumentou quando constatei, sem nenhuma dúvida, que essa determinação percorria todo o seu trabalho. Por onde sua pena de tradutor passasse, sempre causava prejuízo aos personagens, mesmo que só se apresentassem naquele capítulo, e, sem respeitar móvel ou imóvel, atropelava a quase indiscutível sacralidade da propriedade privada. 

Trecho do conto “O tradutor cleptomaníaco”, do húngaro Dezsö Kosztolányi e com tradução de Ladislao Szabo.

Mas se o tradutor – o tradutor, vamos admitir – do currículo de Kassio Nunes Marques não pegou nada de ninguém quando deu aquela guaribada em notório saber, sobre o próprio Kassio Nunes, o homem que roubou a “Naníbia”, não se pode dizer o mesmo que o narrador de “O tradutor cleptomaníaco” disse de Gallus – que sua “mancada” não foi, afinal, como a de tantos outros que mexem com as letras, ou seja, “contrabandear o texto de um outro original”.

O que Kassio e Gallus têm em comum, isto sim, é que Gallus sempre reincidia e Nunes Marques, se não é “terrivelmente evangélico”, dá sinais de que é também terrivelmente cleptomaníaco.

‘Quanto mais mentiroso, melhor’

Quinta-coluna de Jair Bolsonaro, Kassio Nunes Marques suspendeu na última quinta-feira, 2, decisões do TSE consideradas fulcrais, porque jurisprudenciais, para impor algum freio a uma das vertentes pelas quais o bolsonarismo intenta garfar o processo eleitoral de 2022: as fake news difundidas em redes sociais, que foram um dos tripés que macularam as eleições de 2018 (os outros dois foram o golpe de 2016 e o impedimento da candidatura de Lula à presidência da República).

Os malabares processuais com que Kassio Nunes Marques entrou de toga na script de Jair Bolsonaro para 2022 são, segundo a Procuradoria-Geral Eleitoral, tão crivados de embustes que, já há quem diga, o homem que roubou a “Naníbia”, pequenino, diminuto, menor, deu um passo de gigante na direção do seu próprio impedimento.

Em 2018, Nunes Marques, então vice-presidente do TRF-1, disse numa entrevista ao Conjur que, nas horas de descanso, para relaxar, preferia ver filmes a ler livros. Sobre seu tipo de filme preferido, consignou assim nos autos: “quanto mais mentiroso, melhor”.

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