Na última quarta-feira, 7, o Supremo Tribunal Federal, “última trincheira da cidadania”, retomou o julgamento do marco temporal, inconstitucionalidade manifesta, patente, flagrante que, não obstante, há anos paira como varíola sobre os povos originários do Brasil, em mancomunação de delongas alinhavada com o Supremo, com tudo, à velha moda do velho Estado brasileiro.
O julgamento foi retomado após a Câmara dos Deputados aprovar o marco temporal no último 30 de maio com uma chuva de votos do agrobolsonarismo.
Na quarta, Alexandre de Moraes, que havia interrompido o julgamento em 2021, apresentou voto-vista contrário ao marco temporal, mas tirou da cartola, ou da toga, uma nuance para que não haja “nem oito nem oitenta”, estarrecedora coluna do meio em matéria de geno e ecocídio: a indenização em dinheiro ou em títulos da dívida agrária de um mito do folclore brasileiro não catalogado por Câmara Cascudo, o do rico proprietário que comprou terra indígena “de boa fé”.
No que André Mendonça, terrivelmente oportunista, matou no peito o “nem oito nem oitenta”, pisou em cima da novidade da “boa fé” e, “diante do novo quadro de julgamento” trazido por Alexandre de Moraes, chutou o progresso do julgamento do marco temporal no STF para sabe-se lá quando, pedindo vista.
Nesta semana que assim chega ao fim, a plataforma de streaming Spcine Play disponibilizou gratuitamente, durante dois dias, o documentário “Escute: a terra foi rasgada”, de Cassandra Mello e Fred Rahal Mauro, em contribuição com a pressão sobre o STF por menos chicana, pela justiça. O documentário traz falas de indígenas Mẽbêngôkre, Munduruku e Yanomami sobre a beleza de seus territórios e de suas lutas.

Escute:
“Por que eu protejo a nossa terra-floresta? Porque essa é a nossa terra original. Porque a floresta, a floresta viva, nos conserva vivos e com saúde. Ela nos faz crescer com saúde, nos possibilita trabalhar nas roças, nos faz realizar tarefas, realizar as cerimônias, tornar-nos espíritos e dançar. Nós vivemos espalhados nessa terra-floresta. Desde os primeiros tempos nós somos moradores daqui, nos rastro dos nossos ancestrais, que viviam aqui antigamente”.
“Eu perdi o meu pai. Hoje o meu pai já se misturou com o território. Então hoje a aldeia é meu pai. O corpo dele, a alma dele. Ele faz parte da terra”.
“Após os não indígenas se aproximarem, nosso pensamento ficou confuso. Nosso pensamento ficou cheio de dúvida, pois se escuta algo perigoso. Os não indígenas não se aproximam sem razão. Eles tomam e roubam a floresta. Para roubá-la, enganam os Yanomami. Entregam dinheiro. Entregam pequena quantidade, não muito. Os brancos estabelecem amizade apenas com o solo, com o minério. Têm o pensamento verdadeiramente fincado no dinheiro”.
“A gente não negocia a vida dos nossos filhos. A gente não negocia a vida do nosso povo”.
“Você jornalista, escute isso: você tem que divulgar o que eu falo. Minha fala tem que aparecer todo dia no jornal. Você tem que mostrar minha fala para esses brancos que querem madeira, que querem garimpo, que ainda não me conhecem. Vocês vão divulgar minha fala para todo lugar, espalhar por aí, para as pessoas conhecerem, respeitarem a floresta, respeitarem a terra e respeitarem nossos corpos”.
“Vocês brancos chamam de ‘dinheiro’. Nós chamamos de pi’ôkaprẽ. O que é pi’ôkaprẽ? Os Kayapó, os Mẽbêngôkre, no passado viram as cédulas e elas eram kaprĩre, tristes, sem cor. Então passaram a chamar o dinheiro assim, de folhas tristes”.
“Meu avô fala: cada morte de lugares sagrados, acontece um temporal. Os ventos fortes que derrubam tudo. Casas, árvores. Não é um vento bom”.