Foto: Ricardo Stuckert/PR.

“Foi uma coisa burra”, disse um general do Exército Brasileiro, em uma entrevista à imprensa, sobre um trecho de uma resolução aprovada pelo Diretório Nacional do PT em 2016, logo após a abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff.

Era o trecho em que o partido dizia, diante da derrocada, que os governos petistas deveriam ter atuado para alterar o sistema de promoção das Forças Armadas e o currículo das escolas militares.

O general? Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, então chefe de gabinete do comandante do Exército, que na época era o general Eduardo Villas Bôas. A entrevista, feita pelo repórter Fábio Victor, era para ser apenas com Villas Bôas, mas o grande fiador do golpe de 2016 chamou alguns dos seus homens de confiança para participar.

O general Tomás Paiva era um deles. A entrevista feita por Fabio Victor com Villas Bôas e seu círculo foi publicada em março de 2018 na revista Piauí. A frase completa do general Tomás Paiva sobre o trecho da resolução do Diretório Nacional do PT foi esta: “isso para mim foi o maior erro estratégico do PT, foi uma coisa burra”.

Logo depois, no início de abril de 2018, o general Villas Bôas ameaçou o STF, via Twitter, com supostas “missões institucionais” do Exército caso o Supremo desse o Habeas Corpus que colocaria Lula na disputa presidencial com Bolsonaro já nas eleições daquele ano.

Atribui-se ao general Tomás Paiva a sugestão para que seu chefe à época incluísse na ameaça a expressão “repúdio à impunidade”, uma das mais fortes afinal usadas no tuíte golpista de Villas Bôas.

Hoje, o coautor de intimidações ao poder civil é ele próprio o comandante do Exército, tendo sido saudado pela mídia como “general legalista” quando de sua nomeação, em janeiro, por Lula – aquele que, com tuítes, com tudo, foi impedido de participar das eleições de 2018.

Na última segunda-feira, 10, o Diretório Nacional do PT aprovou mais uma resolução. O seguinte trecho, emenda ao texto-base apresentada por Valter Pomar, ficou de fora do documento final, intitulado “Brasil do presente e do futuro: no rumo certo”:

“Não se poderá falar em democracia plena no Brasil, enquanto persistir a tutela militar. O Diretório Nacional do PT decide convocar uma conferência nacional para debater a política de Defesa Nacional e o papel das Forças Armadas”.

Varrida para debaixo do tapete a questão militar, o general Tomás Paiva deve ter se reclinado em sua cadeira de comandante no Forte Apache – à sua frente, uma bela vista da Praça dos Cristais, onde golpistas ficaram meses acampados -, e pensou com suas medalhas: “foi uma coisa inteligente”.

Resolução aprovada, rejeitada por ampla maioria – por 47 dirigentes petistas – a Conferência de Defesa e Forças Armadas, Valter Pomar apresentou um voto em separado. Come Ananás reproduz, abaixo, a íntegra desse voto.

Nosso partido nasceu lutando pela democracia e pelo socialismo.

Nesses 43 anos, muita gente enfraqueceu suas convicções socialistas.

Mas todo o nosso Partido segue reafirmando a democracia.

Democracia que, no passado e no presente, teve e tem na tutela militar uma de suas maiores inimigas.

Fatos recentes da história do Brasil – como o golpe contra a Dilma, a prisão de Lula, a eleição do cavernícola, a tentativa de golpe do 8 de janeiro – têm relação direta com a tutela militar.

A respeito disto, há inúmeras resoluções, aprovadas desde 1980 até 2017, no 6º Congresso Nacional do PT.

Mas o que o nosso atual Diretório Nacional, eleito em 2019, deliberou a respeito da questão?

Quando debatemos o programa de reconstrução e transformação, recusamos as propostas de resolução apresentadas a respeito da tutela militar; naquela ocasião, o Diretório escolheu remeter o tema para debate em uma comissão de especialistas, que até onde eu sei nunca se reuniu.

Quando debatemos o programa da Federação, recusamos as propostas de resolução apresentadas a respeito.

Quando debatemos o programa da coligação presidencial, recusamos as propostas de resolução apresentadas a respeito.

Na transição, não foi constituído um grupo para tratar do tema.

Aí veio o 8 de janeiro de 2023.

E apesar disto, seis meses depois, no dia 10 de julho de 2023, o Diretório Nacional do PT decidiu seguir na mesma toada, recusando uma emenda que afirma o seguinte: “Não se poderá falar em democracia plena no Brasil, enquanto persistir a tutela militar. O Diretório Nacional do PT decide convocar uma conferência nacional para debater a política de Defesa Nacional e o papel das forças armadas”.

Ou seja: o Diretório aprovou uma resolução que exige “punição severa aos golpistas que no dia 08 de janeiro intentaram contra o Estado Democrático de Direito”, inclusive punição a seus “estimuladores militares”.

Mas o mesmo Diretório prefere não falar de “tutela militar”.

E, ao mesmo tempo, prefere (numa interpretação otimista) adiar o debate organizado a respeito do papel das forças armadas.

Trata-se, na minha opinião, de um erro grave.

O golpismo de 8 de janeiro tem causas sistêmicas e seu tratamento não pode ser adiado. E o tratamento dessas causas sistêmicas inclui o debate público, aberto, democrático, acerca do papel das forças armadas.

O fato do DN não aprovar a emenda proposta não impede que o debate exista, muito menos faz a tutela desaparecer.

Mas o fato da emenda ser rejeitada revela que a direção nacional de nosso partido segue não percebendo que o tema é inescapável e inadiável, e que precisa ser tratado publicamente.

No dia 8 de janeiro, quando muita gente foi surpreendida pelos acontecimentos, vimos o resultado deste tipo de atitude.

Um documento cujo título é “no rumo certo” não deveria procrastinar nunca, muito menos em uma questão tão decisiva.

Saudações petistas

Valter Pomar

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