Come Ananás publica abaixo uma reportagem feita no dia 30 de maio de 2018, sobre a greve dos caminhoneiros de três anos atrás.

Já estavam lá palavras de ordem golpistas transbordando dos acostamentos; atos antidemocráticos; fuzis; Academia Militar das Agulhas Negras; ultimatos; corrida aos postos de combustíveis; generais que, não senhora, não senhor, já não estavam de pijama; setores mais reacionários da sociedade animados com “Intervenção militar já”.

Na época, setores importantes da esquerda se animaram, por seu turno, para “disputar o movimento” com a direita, explorando as contradições de classe, da classe. Certos setores do campo democrático pareciam não compreender no Brasil de três anos atrás que a contradição que já se sobrepunha era entre Democracia e fascismo.

Mas não é este o principal motivo da reedição do texto.

Exatamente um ano atrás, em 11 de setembro de 2020, este jornalista perdia o seu grande companheiro de reportagem daquele maio de 2018. O Mafuá, que comia cigarras e farejava fascistas, foi-se de repente, sem nem uma lambidinha de adeus, 10 anos depois de chegar.

Há o dia que fez o Ocidente se assombrar, e há quem tenha um 11 de setembro para chamar de seu, de meu.

Há também um belo livro de Manuel Alegre chamado “Cão como nós”, e o Manuel abre o livro assim:

“Sei que andas por aí, oiço os teus passos em certas noites, quando me esqueço e fecho as portas começas a raspar devagarinho, às vezes rosnas, posso mesmo jurar que já te ouvi a uivar, cá em casa dizem que é o vento, eu sei que es tu, os cães também regressam, sei muito bem que andas por aí”.


É bastante tensa a situação na Via Dutra na região do Médio Paraíba. Percorri novamente nesta quarta-feira de manhã o trecho entre Penedo e Barra Mansa, que eu tinha feito no sentido inverso no fim da tarde de domingo.

São cerca de 40 quilômetros. Neste trecho, os piquetes estão claramente maiores e mais agitados, com centenas de caminhoneiros agrupados, agora, nos canteiros da beira da estrada, em vez de dispersos em pequenos grupos entres os caminhões, como eu tinha visto no domingo.

Há alguns novos pontos, pequenos, de concentração, com 10 a 15 caminhões, pelos acostamentos. Em Resende, os postos da beira da estrada têm combustível, mas estão com filas gigantescas. Consegui abastecer tranquilamente, com fila bem pequena, no posto de Floriano, que está mais distante das cidades médias da região. Há limite para abastecer, não por litro, mas por cifrão: R$ 100.

Foi neste posto que estive na segunda de manhã para fazer uma outra reportagem. Hoje, enquanto esperava na fila, perguntei a três caminhoneiros como estava o ânimo do pessoal. A resposta foi a mesma de dois dias atrás: o ânimo é só sair quando o governo cair.

As lonas com a palavra de ordem da “Intervenção militar já” seguem estendidas e viradas pra estrada. Perguntei à frentista sobre a sensação dela quanto ao número de caminhões parados ali, se aumentou, se diminuiu. “A mesma coisa, disse”, e completou, sobre quando iriam sair: “Só quando os militares entrarem mesmo”. Ela contou também que à noite um caminhão que passava foi atacado pelos grevistas.

Fiquei surpreso com o nítido aumento do número de caminhões e dos ânimos buliçosos na região do Médio Paraíba, porque os informes do governo e da mídia desde ontem à noite, e ainda mais agora de manhã, são de desmobilização e volta à normalidade.

Bem cedo, no Bom Dia Rio, repórteres esfuziantes mostravam aipim sendo cozido no Ceasa. Vi de relance, na TV, imagens de Barra Mansa de tensão entre caminhoneiros e militares, mas sem maiores informações. Essas imagens, que mereciam mais texto, por assim dizer, foram engolidas pelo clima de animação com gasolina chegando nos postos e chuchu chegando à mesa.

Passei há meia hora pelo local onde as imagens do Bom Dia Rio foram feitas, que é um dos piquetes que cresceram em termos de caminhão e agitação. De um lado da Dutra, sentido Rio, dezenas de caminhoneiros no recuo da pista. Do outro lado, sentido São Paulo, cerca de 20 soldados do Exército na beira da estrada, com fuzis nas mãos.

Cheguei a pisar no freio, mas não parei, porque levava no banco de trás um cachorrão de 42 quilos que fareja de longe e liga o alerta quando vê militares de prontidão na beira dos rumos do país. Vou avaliar se volto mais tarde ao local.

Uma diferença clara em relação a domingo e segunda é a quantidade de caminhões circulando pela estrada. No domingo, como na segunda, era zero. Hoje, há vários. A maioria é de caminhões tanque. Um ou outro caminhão baú passa de fato sem escolta. Uma cena um tanto insólita: um comboio de cerca de 30 caminhões passou no sentido contrário ao meu na Dutra “puxado” por uma única viatura da Polícia Rodoviária Federal.

Entre sair da Dutra e estacionar em Barra Mansa, contei sete carros de passeio com inscrições de apoio à greve dos caminheiros no vidro de trás. Em três deles a inscrição era “Intervenção militar já”. No domingo eu já tinha visto essa inscrição em carros aqui de Barra Mansa, mas foi durante uma carreata.

Há vários relatos na região de motoristas enfrentando hostilidades por enfrentarem as filas por combustível, porque estariam “enfraquecendo a greve”. Recebo agora a informação de que há pelo menos um grupo de whatsapp de Resende falando em fechar postos na marra. Se auto-intitulam, como aqueles, “revolucionários”.

No domingo aconteceu um ato por “Intervenção militar já” em frente à Academia Militar das Agulhas Negras, na beira da Dutra, em Resende, reunindo não poucas pessoas. Na sequência do ato, à noite, uma multidão rumou para a frente da residência do comandante da Aman, a “Casa do General”, na região central da cidade.

Cantaram o Hino Nacional e esgoelaram a palavra de ordem que perdeu o controle e saiu da pista. O general não apareceu, mas, mesmo sem vê-lo, todos sabiam, sentiam, em êxtase, que não estava de pijama.

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