Diz assim um trecho da decisão de Alexandre de Moraes que autorizou prisões, buscas e apreensões no âmbito da investigação pela PF sobre as fraudes nos cartões de vacinação de Jair Bolsonaro, do seu ex-ajudante de ordens na presidência da República, o tenente-coronel Mauro Cid, e de familiares de Bolsonaro e Cid:
“No dia 30/11/2021, AILTON GONÇALVES MORAES BARROS envia para MAURO CÉSAR BARBOSA CID novos áudios em que relata, de forma velada, o andamento do que ele chamou de “missão”, possivelmente se referindo à inserção nos sistemas do Ministério da Saúde de dados de vacinação de GABRIELA SANTIAGO RIBEIRO. Em seguida, AILTON GONÇALVES MORAES BARROS ressalta a dificuldade do procedimento e o cuidado para não expor ninguém, diz: ‘porque realmente o negócio é pica e ninguém pode ficar exposto, não é? Particularmente, particularmente, quem você sabe, né? Não pode ficar. Mas tá caminhando bem'”.
O advogado e ex-major do Exército Ailton Barros foi um dos seis presos nesta quarta-feira, 3, na Operação Venire da Polícia Federal.
Naquele mesmo 30 de novembro de 2021, Ailton Barros comunicou a Mauro Cid, também por mensagens de áudio, que o ex-vereador do Rio de Janeiro Marcello Siciliano teria intermediado a inserção de dados falsos de vacinação da esposa de Cid nos sistemas do Ministério da Saúde, via computadores da República de Duque de Caxias, onde meses depois seriam inseridos dados falsos de vacinação referentes a Jair Bolsonaro.
Dois anos antes, em 2019, Marcello Siciliano chegou a ser apontado como o possível mandante do assassinato de Marielle Franco, em março de 2018. Depois, a polícia acabou descartando a participação do ex-vereador no crime. Siciliano foi vereador entre 2017 e 2020, na 10ª legislatura da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, a mesma legislatura para a qual Marielle foi eleita em 2016.
Na conversa com Mauro Cid, Ailton Barros relatou que Siciliano estava enfrentando problemas para conseguir visto para os EUA por causa da ligação do seu nome ao caso Marielle, e pediu ajuda a Cid para arranjar um encontro entre o ex-vereador e o cônsul americano.
Barros diz o seguinte a Cid:
“[Siciliano] tá nessa história de bucha. Se não tivesse de bucha, irmão, eu não pediria por ele. Tá de bucha. Eu sei dessa história da Marielle toda, irmão. Sei quem mandou. Sei a porra toda. Entendeu?”.
Nesta quinta-feira, 4, o portal Metrópoles atribuiu a Ailton Barros a afirmação de que o mandante do assassinato de Mariele Franco é um ex-deputado estadual do Rio: “esse político ganhou ainda mais influência após deixar a Alerj. E já foi, inclusive, investigado pela Polícia Civil no âmbito das investigações sobre a morte da vereadora”.
E se agora uma investigação sobre os malfeitos dos Bolsonaro acaba desaguando no caso Marielle Franco, o contrário também já aconteceu: os malfeitos dos Bolsonaro sobressaindo de uma investigação sobre o caso Marielle.
Em abril de 2020, o Intercept Brasil publicou informações sigilosas de um inquérito do Ministério Público do Rio de Janeiro segundo as quais o ex-deputado estadual do Rio Flavio Bolsonaro lucrou alto com prédios construídos ilegalmente pela milícia em áreas griladas nas favelas de Rio das Pedras e Muzema, na Zona Oeste da capital fluminense. Segundo o MPRJ, as construções foram financiadas com dinheiro das rachadinhas de Flavio na Alerj.
Ainda segundo o MPRJ, o esquema era gerenciado por Fabricio Queiroz e envolvia dois integrantes da milícia grileira da Zona Oeste investigados por participação no duplo assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes: Adriano da Nóbrega, morto pela Polícia Militar na Bahia em fevereiro de 2020, e Ronald Pereira.
O general Richard Nunes, que foi secretário de Segurança do Rio durante a Intervenção Federal, já afirmou à imprensa que o assassinato de Marielle foi planejado por gente que via na vereadora uma ameaça a negócios miliciano-imobiliários envolvendo grilagem de terras na Zona Oeste carioca.
A descoberta do esquema miliciano de construção irregular em terrenos grilados na Zona Oeste do Rio e irrigado com dinheiro da rachadinha de Flavio Bolsonaro na Alerj foi feita em meio aos desdobramentos das investigações sobre os assassinatos de Mariele Franco e Anderson Gomes.