Depois que viemos para a região das Agulhas Negras, em 2010, e até poucos anos atrás, almoçávamos com certa frequência no restaurante Don Corleone, às margens do Rio Preto, na vila de Maringá, lá pras bandas de Visconde de Mauá. O dono do restaurante, o Warley, nos tratava meio como vips, maior carinho pelo Huguinho.
Em 2017, em uma das vezes que subimos de Penedo pra Mauá e fomos lá bater um rango com o Warley, o filho dele, o João, deu a notícia de que o pai tinha morrido dias antes. Ataque cardíaco, fulminante. Não tinha mais que uns 50 e poucos anos, se é que tinha isso tudo. Na época, publiquei uma homenagem ao Warley no Facebook. No dia seguinte, recebi uma mensagem do PC Guimarães. Esta:
“Hugo, mexeu comigo a lembrança do gente boníssima Warley. Se puder descer a serra pro pré-lançamento do livro em agosto, será muito bem-vindo. Assim que puder me passe seu e-mail, por favor. No final de julho você vai receber um convite virtual para o pré-lançamento em General Severiano”.
Não consegui descer a serra para o pré-lançamento de “Sandro Moreyra, um autor à procura de um personagem”, biografia escrita pelo PC, belíssima capa do Ique, prefácio do Carlos Eduardo Novaes, orelha do João Máximo e texto da contracapa da Sandra Moreyra.
Anos depois, soube que o PC, ele sim, tinha decidido fazer o caminho inverso, ou seja, subir a serra, em definitivo, para morar em Visconde Mauá. Nós já estávamos em Resende. Morávamos então, nós e o PC, no mesmo município – ele no alto da Mantiqueira, nós no baixo do Paraíba. Sim, Visconde de Mauá pertence a Resende. Várias vezes pensei em visitá-lo, conhecê-lo pessoalmente. Nunca fui.
PC morreu nesta semana, vitimado por um ataque cardíaco, lá no alto da serra, como anos atrás aconteceu com nosso amigo em comum. Sabe o que PC falou quando o Warley morreu lá em Mauá? “Deveria ser proibido morrer do coração num lugar como esses”.
Pois é, PC. Deveria mesmo.
PC Guimarães tinha 70 anos. Viu duas vezes o Brasil voltar à Democracia. Quase deu tempo de ver seu Botafogo voltar aos títulos.
Em homenagem ao jornalista e professor Paulo Cezar Guimarães, Come Ananás reproduz abaixo o depoimento do PC para o livro “Bomba no Riocentro”, de Belisa Ribeiro.
Eu estava em Bangu, cobrindo um acidente de carro: um Passat dirigido por assaltantes, que estavam sendo perseguidos pela polícia, se acabou em uma árvore da Av. Brasil. O Ely me gritou pelo rádio e eu voltei correndo, ainda sem saber de nada. Na redação, acabei de apurar a matéria de Bangu pelo telefone. Bati rápido umas 30 linhas e fui para o Miguel Couto totalmente no ar. Sabia que tinha explodido uma bomba no Riocentro, que tinha um ferido no hospital e mais nada. Isso acontece às vezes e é sempre ruim – o repórter sair da redação sem saber direito o que vai fazer.
Cheguei ao Miguel Couto por volta da meia-noite. Já estavam lá uns quatro ou cinco repórteres e foi chegando mais gente. Quando vi que o Zuenir (Zuenir Ventura, chefe da sucursal da revista Veja no Rio) estava por lá, tentando apurar também, eu saquei que a barra era pesada. Muitos jornalistas que não estavam trabalhando também apareceram e ficaram tentando ajudar o pessoal. Todo mundo na portaria, vigiando o elevador. Ficamos trabalhando juntos, trocando as informações que eram quase nenhuma, porque ninguém falava nada. Qualquer médico, qualquer enfermeira que descia a gente atacava, mas não saia nada.
Estava um clima de tensão muito grande. Tinha muita gente rondando o hospital e pintou uma desconfiança total em todo mundo. Qualquer pessoa estranha que chegava perto das rodinhas que formávamos para conversar a gente ficava pensando que estava vigiando o nosso trabalho, que era da polícia ou do SNI. Isso porque a gente já sabia que o ferido era um capitão. E mais, antes de eu chegar ao hospital um capitão – o Capitão Souza Lima, como ele mesmo se identificou – tinha falado com os coleguinhas e dito que o ferido trabalhava com ele no DOI-Codi. Nessa hora, quer dizer, numa hora em que tudo está difícil, em que a gente sente que aconteceu mais do que um simples acidente e pinta até um certo medo, não tem mais essa de furo. O que acontece é uma solidariedade entre todos os jornalistas numa busca desesperada pela informação.
Me lembro que uma repórter do JB ficou rondando o Miguel Couto, por ali na portaria, fingindo que tinha atropelado uma pessoa, que estava muito nervosa, querendo saber notícias do seu “atropelado”. Ela chegou com essa conversa perto do pessoal da família do capitão ferido. Ninguém se aproximou, todos os outros jornalistas entraram no jogo, mas mesmo assim ela não conseguiu nada.
Lembro também que a gente estava na portaria do hospital quando tocou o telefone. A recepcionista falou em voz alta que era alguém procurando um familiar do capitão ferido. O Zuenir foi atender o telefone, tentando conseguiu alguma coisa. Mas não deu mesmo e ele acabou subindo para buscar um parente ou um amigo do cara. Na volta, ele ainda ficou colado no homem que veio atender o telefone, tentando pescar alguma coisa da conversa, mas também não conseguiu.
Passei algumas coisas pelo telefone para a redação, basicamente a informação do Capitão Souza Lima de que o ferido, como ele, trabalhava no DOI-Codi. Mas continuei no Miguel Couto até às 4 horas da manhã. Depois, ainda dei uma passada na redação e saí com o jornal na mão. Mesmo naquele dia, eu já sabia que estava acontecendo um negócio importantíssimo. Não escrevi matéria nenhuma, mas estava satisfeito de ter entrado na cobertura. Afinal, uma reportagem nem sempre é o que você traz, mas também aquilo que você tentou fazer.
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