Quem deu a ordem para 400 militares baterem em retirada após começarem incêndio em Unidade de Conservação?
ICMBio concluiu que o incêndio que aniquilou 300 hectares do Parque Nacional do Itatiaia em junho começou quando cadetes do Exército acenderam um fogareiro.
O Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio) concluiu a investigação sobre a causa do incêndio que em junho arrasou 300 hectares de campos de altitude no mais antigo parque nacional do Brasil, o Parque Nacional do Itatiaia, no Sul Fluminense.
Ao longo de uma semana, o fogo varreu o equivalente a 300 campos de futebol em uma área de nascentes de vários rios, abrangendo 12 importantes bacias hidrográficas, e onde vivem espécies em extinção.
O responsável pelo incêndio foi o Exército Brasileiro. É o que diz agora o ICMBio, mas é o que já se sabia desde 17 de junho, quando o site O Eco divulgou gravações em vídeo mostrando um grande comboio do Exército parado ao lado do foco que deu origem ao incêndio, três dias antes, em 14 de junho.
Numa cabalística concomitância, o incêndio começou justamente no dia em que o Parque Nacional do Itatiaia completou 87 anos de existência. Aquele 14 de junho foi também o último dia do Estágio Básico do Combatente de Montanha, atividade de instrução realizada anualmente pela Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) na Parte Alta do parque.
As imagens divulgadas por O Eco mostravam ainda que o comboio do Exército deixou o local do início do incêndio quando o foco inicial ainda era pequeno. Eram mais de 400 militares, a maioria jovens cadetes.
Na época, só após as imagens virem à tona, a Aman divulgou uma “nota de esclarecimento” afirmando que “foi identificado um foco de incêndio próximo à coluna de veículos”; que “alguns militares” tentaram apagar o fogo, mas não conseguiram; que os militares foram embora “por questão de segurança”.
Mais tarde, a Aman afirmou ao Ministério Público Federal que “constatou a ocorrência e auxiliou nos trabalhos de combate às chamas”, como se a escola de Bolsonaros, Bragas Nettos e Pazuellos nada tivesse a ver com a origem do incêndio e como se o fogo não tivesse começado a se espalhar debaixo dos narizes de mais de 400 militares do Exército.
A denúncia de fato criminal contra o Exército foi arquivada por unanimidade pela 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF.
O relator, Aurélio Virgílio Veiga Rios - que esteve cotado para virar PGR, em vez de Paulo Gonet - votou pelo arquivamento porque “segundo a Aman, não houve omissão do Exército”, e porque, segundo ele, Veiga Rios, não havia elementos “indicando que o incêndio tenha sido provocado e/ou intencional, apto a ensejar a instauração de inquérito policial”.
Agora, o ICMBio concluiu que o incêndio começou quando cadetes da Aman acenderam um fogareiro com líquido inflamável, em meio ao mato seco e sob vento forte, para fazer um rango. O Instituto só faltou pedir desculpas à família militar pela aplicação de uma multa administrativa de 6,5 milhões de reais à Academia Militar de Incineração das Agulhas Negras.
Com inquérito criminal arquivado, com multa equivalente a pouco mais da metade do que a Aman vai pagar agora mesmo à Enge Prat Engenharia e Serviços para reformar suas piscinas, o Exército brasileiro, como sempre, saiu no lucro.
O Exército de Caxias e do general Tomás Paiva, no entanto, em vez de enfiar o verde rabo entre as pernas, pelo visto vai recorrer da multa aplicada pelo ICMBio. O Exército disse, em nota, que “não teve acesso à apuração realizada pelo Instituto e que a referida autuação está em fase de análise e apresentação de defesa por parte da União”.
A União, por seu turno, poderia aproveitar mais esta exibição de soberba do Exército Brasileiro para se dar ao respeito, dando-se uma nova chance de esclarecer o ponto central dessa história: e o comando?
Quem foi que deu a ordem, se não para acender o fogareiro, para que mais de 400 militares do Exército batessem em retirada naquele dia, deixando para trás o foco inicial de um grande incêndio florestal, sem apagar o fogo iniciado por eles próprios em uma das mais importantes Unidades de Conservação do Brasil?
Numa postagem feita no Instagram naquele 14 de junho, dia em que o incêndio começou, a Aman informou que três generais do Exército, além de outros oficiais, juntaram-se aos cadetes “ao amanhecer” na “tradicional escalada ao Pico das Agulhas Negras”. A postagem foi justamente sobre o encerramento do Estágio Básico do Combatente da Montanha. As imagens do início do incêndio junto ao comboio do Exército foram gravadas pouco depois das duas da tarde.
O generais citados na postagem foram: Marcus Vinicius Gomes Bonifácio, comandante da Aman; João Felipe Dias Alves, ex-comandante da Aman e Diretor de Educação Superior Militar do Exército; e Ricardo Augusto Montella de Carvalho, Comandante da 4ª Brigada de Infantaria Leve de Montanha.
Uma das fotos da postagem mostra os três, juntos, com as Agulhas Negras ao fundo.
Na época, Come Ananás entrou em contato com a Aman para saber se os generais Vinicius, Felipe e Montella de fato estavam na Parte Alta do Parque Nacional do Itatiaia no dia do início do incêndio e se eles estavam no comboio que deu no pé “por questão de segurança”, deixando o fogo se alastrar. Soberba: quatro meses depois, a resposta ainda não chegou.
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