O desejo em comum do prefeito Ricardo Nunes e do general Newton Cruz
Às perguntas incômodas da mídia independente, o prefeito de São Paulo, candidato à reeleição, responde espumando de raiva e ameaçando com processo criminal.
“Graves”, “caluniosas”, “infundadas”, “inescrupulosas”.
Estes foram os adjetivos usados pelos advogados do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, para tentar desqualificar, em nota, três perguntas encaminhadas a Nunes na semana passada pelo repórter Paulo Motoryn, do Intercept Brasil. A nota foi enviada pelo staff jurídico de Nunes ao Intercept neste sábado, 19.
As perguntas do repórter foram estas:
“Por quantos anos o prefeito trabalhou com Maciel? Qual função? Entre 1994 e 1996, o prefeito foi remunerado com parte do patrimônio de Maciel?”.
O empresário Osvaldo Cavalcante Maciel foi um dos presos e condenados na década de 1990 por uma fraude de R$ 1,6 bilhão no Banco do Brasil, em valores atualizados. Em agosto, o site de Olho nos Ruralistas revelou uma possível conexão entre Maciel e Ricardo Nunes. A partir desse fio, Paulo Motoryn conseguiu falar com um filho de Maciel, que afirmou à reportagem: “o Ricardo Nunes foi funcionário do meu pai”.
“Vergonhosa”, “sórdida”, “criminosa”, “abominável”, “nefasta”, foram os adjetivos usados pelos advogados de Ricardo Nunes, na mesma nota, para atacar as apurações tanto do Intercept Brasil quanto do De Olho nos Ruralistas, em fúria rebentada porque o repórter do Intercept perguntou a Nunes sobre Osvaldo Cavalcante Maciel - coisa que o De Olho, aliás, vem fazendo desde junho.
“Infâmia”, “baixeza”, “fake news”, “absurdo”, “crime”, foram também palavras usadas na nota para atacar as apurações jornalísticas independentes sobre a possível conexão entre um megafraudador e o candidato à reeleição para a prefeitura da maior cidade do Brasil. A nota ainda chama os responsáveis pela apuração de “aloprados” e “salteadores”.
Quanto à pergunta sobre se de fato Ricardo Nunes trabalhou para Osvaldo Cavalcante Maciel, isso não foi respondido.
“Os fatos apontados aconteceram há 30 anos e foram objeto de profunda e minuciosa investigação por parte da auditoria do Banco do Brasil (parte lesada), das autoridades policiais e de julgamento por parte do Judiciário. Os envolvidos foram julgados e condenados. Os crimes financeiros imputados foram detalhadamente destrinchados em todas as suas ramificações. Ricardo Nunes jamais foi envolvido com nenhuma das ações criminosamente descobertas à época; seu nome jamais constou como investigado, suspeito ou sequer beneficiário de qualquer recurso nas investigações feitas, então. O prefeito jamais foi chamado a depor; jamais teve qualquer envolvimento com qualquer fato de natureza questionável ou ilícita”, diz a nota da defesa de Ricardo Nunes.
A premissa usada por Nunes na tentativa de intimidação da imprensa independente, pelo visto, é a de que jornalistas não podem se debruçar sobre nada correlato a inquérito policial concluído, processo tramitado em julgado, caso dado por encerrado por autoridade constituída. Esta premissa, ela sim, é "infundada”. Imprensa não é instância policial, judicial ou administrativa. Sua atividade consiste no justo e preciso contrário de tomar decisões jornalísticas ao sabor positivista da publicação de atos oficiais, os de hoje ou de 30 anos atrás.
Não obstante, a defesa de Ricardo Nunes afirmou na nota que o prefeito irá processar criminalmente, e “imediatamente”, quem, no exercício da profissão de jornalista, incomodá-lo com perguntas sobre Osvaldo Cavalcante Maciel.
Vale lembrar que em junho, em resposta a outros questionamentos feitos pelo De Olho Nos Ruralistas, Nunes já tinha tentado enquadrar criminalmente um veículo da mídia independente no exercício do próprio trabalho jornalístico em sua essência – investigar, questionar, incomodar, insistir em obter respostas dos poderosos -, ao afirmar que “a postura do veículo tem se assemelhado a perseguição, um crime previsto na Lei Federal 4.132, de 31 de março de 2021” – a “Lei do Stalking”.
Se esse tipo de coisa prosperar em São Paulo, não demora para vermos políticos paulistanos-bolsonaristas imitando seu luminar, dizendo assim a jornalistas após perguntas embaraçosas, em quebra-queixos no Edifício Matarazzo, literalmente em quebra-queixos: “vontade de encher a sua boca de porrada”.
Não demora e talvez a gente assista a algum ex-comandante da Rota enfiado em chapa para eleição majoritária em São Paulo, como é o caso do vice na chapa de Ricardo Nunes, sentindo-se à vontade para imitar um certo ex-comandante militar do Planalto, o general Newton de Araújo Oliveira e Cruz.
Há pouco mais de 40 anos, em 1983, o general Newton Cruz deu um salto da escadaria do Hotel dos Militares, em Brasília, e, “espumando de raiva e com a farda em desalinho”, como relatou a imprensa na época, agarrou pelo pescoço o repórter Honório Dantas, da Rádio Planalto, para obrigá-lo a se desculpar por fazer perguntas “provocativas e impertinentes”.
Antes de agredir o repórter, Newton Cruz tinha pedido a jornalistas o que Ricardo Nunes, espumando também, em desalinho também, parece querer também dos jornalistas de verdade: “Por favor, me esqueçam”.