Kid preto que planejou matar Lula, Alckmin e Moraes foi ao Congresso falar de contraterrorismo
General Mario Fernandes, que, segundo a PF, queria matar Lula "por veneno ou químicos", gabou-se na Câmara de que as Operações Especiais são OM de Defesa Química, Biológica, Radiológica e Nuclear.
Diz a Polícia Federal na página 442 do relatório final do inquérito do golpe encaminhado ao STF na última quinta-feira, 21:
“A análise dos dados armazenados no dispositivo eletrônico 55 apreendido em poder do investigado Mario Fernandes identificou um arquivo Word, inicialmente denominado ‘Fox_2017.docx’, cujo conteúdo evidência a elaboração de um detalhado planejamento que seria voltado ao sequestro ou homicídio do Ministro Alexandre de Moraes e, ainda, dos candidatos eleitos Luis Inácio Lula da Silva e Geraldo José Rodrigues Alckmin Filho”.
Trata-se do plano “Punhal Verde e Amarelo”, cuja existência já tinha vindo a público, no dia 19 de novembro, com a prisão de Mario Fernandes e outros kids pretos na operação Contragolpe.
“Trata-se, a rigor, de um verdadeiro planejamento com características terroristas”, ressalta a PF no relatório, cujo sigilo foi retirado nesta terça-feira, 26, por Moraes.
Os metadados do arquivo Word encontrado com o general Fernandes indicam que o documento foi criado no início de novembro de 2022, quando Fernandes trabalhava no Palácio do Planalto como secretário executivo da Secretária-geral da Presidência da República. Havia data marcada para a “neutralização” de Lula, Alckmin e Moraes: 15 de dezembro.
O plano, porém, foi abortado na última hora. Os kids pretos encarregados da ação esperavam que naquele dia o então presidente Jair Bolsonaro assinasse um decreto de Estado de Defesa que previa intervenção no TSE e a prisão de Moraes. Segundo a PF, Bolsonaro sabia do plano “Punhal Verde e Amarelo”.
Com a noite do dia 15 dezembro de 2022 já avançada, com os kids pretos posicionados para atacar Moraes, faltava sair a edição extra do Diário Oficial da União com o decreto que trouxesse o “Punhal Verde e Amarelo” para “dentro das quatro linhas”. O decreto, porém, não saiu. Talvez não por acaso a expressão usada às 20:57h por um dos kids pretos que estavam na campana, aguardando ordens, tenha sido esta: “vai cancelar o jogo?”.
O jogo foi cancelado, por falta de pretenso, insólito amparo jurídico para ação terrorista.
“Eu preciso de liberdade de ação e amparo jurídico”, dizia o general Mario Fernandes três anos antes, no Congresso Nacional, quando ainda era o comandante das Operações Especiais do Exército. Três anos antes de ajudar a urdir o plano “Punhal Verde e Amarelo”, Fernandes foi até o Congresso, “em nome do Exército”, para falar de contraterrorismo.
Foi na tarde do dia 15 de outubro de 2019, numa audiência pública da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados. A audiência foi para discutir o Projeto de Lei 1595/2019, uma revisão da chamada “Lei Antiterrorismo” de 2016.
O PL 1595/2019, que depois empacou, foi uma proposta legislativa apresentada por um ex-kid preto, o deputado Major Vitor Hugo (PL-GO), então líder do governo Bolsonaro na Câmara. Bolsonaro apostava no projeto como amparo jurídico para repressão a protestos e movimentos sociais. Mario Fernandes foi à Câmara para pleitear “uma legislação forte, que me ampare”. Na audiência, o general chamou Vitor Hugo de “camarada de memoráveis jornadas”.
Naquele dia, o general Fernandes levou para o Congresso um powerpoint de 62 páginas sobre prevenção e combate ao terrorismo. No slide em que listou potenciais ameaças terroristas ao Brasil, Fernandes usou como imagem ilustrativa uma foto de Bolsonaro levando as mãos ao abdômen, segundos após a facada em Juiz de Fora.
Outro slide dizia que os kids pretos, além das Operações Especiais, são a única organização militar especializada em Operações Psicológicas da América Latina. Ainda sobre as capacidades dos kids pretos, dizia assim o powerpoint do general que planejou matar Lula, segundo a PF, “por envenenamento ou uso de químicos”:
“O Comando de Operações Especiais é uma das duas organizações militares de Defesa Química, Biológica, Radiológica e Nuclear (DQBRN) do Exército Brasileiro, capacidade de pouquíssimas Forças Armadas nas Américas”.
Mais à frente, o slide 21 da apresentação do general Fernandes mostrava uma imagem da capa do “Manual do Guerrilheiro Urbano”, escrito por Carlos Marighella em 1969, no contexto da luta armada contra a ditadura e pouco antes de Marighella ser morto numa emboscada armada pelo delegado Fleury. Ao contrário da emboscada contra Alexandre de Moraes, aquela não foi abortada, não.
Quando exibiu o slide com Marighella, o general Mario Fernandes disse isto aos deputados presentes na audiência, como Vitor Hugo e Eduardo Bolsonaro:
“Quero lembrar que, infelizmente, o Brasil tem entre os seus coeficientes, em relação a ameaças como a terrorista, a obra de um brasileiro ser considerada a espinha dorsal doutrinária para as atividades de grupos terroristas que levaram a morte e a destruição de vidas humanas em todo o mundo. Infelizmente, nós carregamos isso. A mochila é pesada…”
Costuma ser mesmo pesada, a mochila do terrorista.
Você tem informação ou opinião sobre porque o golpe não se consumou? Teria sido falta de amparo estadunidense?