Juros, jornalismo: até que ponto a especulação influencia a 'narrativa'?
O setor rentista-especulativo reagiu à alta da Selic soltando, se não fogos, notificações push.
O chamado setor produtivo reagiu mal, bem mal, à alta de 0,25 ponto porcentual da taxa básica de juros do Brasil, decisão tomada pelo Comitê de Política Monetária (Copom), por unanimidade galípola, no fim da tarde, início da noite desta quarta-feira, 18, e no crepúsculo do “mandato” do bolsonarista Neto de Roberto Campos à frente do Banco Central “independente”.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) disse ter recebido com “total indignação” a decisão do Copom de subir a Selic ainda mais, para astronômicos, exorbitantes 10,75% ao ano. A ponto de o presidente da CNI, Ricardo “Biscoitos Tupy” Alban, abstrair suas origens no Citibank e disparar: “até que ponto a especulação do mercado futuro de juros influencia as narrativas da expectativa de inflação futura?”.
Já o setor rentista-especulativo (não que sejam necessariamente bilionários diferentes, o dono do conglomerado industrial e o do banco ou fundo hedge); o setor rentista-especulativo, repetindo, reagiu à alta da Selic soltando, se não fogos, notificações push.
Apenas meia hora após o Banco Central dar mais uma meladinha básica na expansão da atividade econômica produtiva, a Folha de S.Paulo fez piscar os celulares dos seus assinantes com um alerta que dizia assim: “veja em quais aplicações investir com a alta da taxa básica de juros”.
A matéria, o “serviço” dado pela Folha aos seus leitores em ato contínuo à decisão do Copom diz que “novas altas devem levar a taxa básica de juros para 11,25% ao fim deste ano” e, sendo assim, a Folha se pôs a catalogar “boas oportunidades”, “ativos que ficam mais atrativos” com os juros altos sufocando a economia brasileira, o emprego, o consumo.
Na matéria, a Folha recomenda basicamente três investimentos numa hora dessa: renda fixa pós-fixada, Tesouro IPCA+ e investimento em Bolsa, porque, segundo um especialista ouvido pelo jornal, "nossa Bolsa está mais relacionada ao juro americano do que ao cenário local”, tal e qual o jornalismo brasileiro parece ter menos a ver com interesse público e mais, por exemplo, com as opções de investimento disponíveis no PagBank.
Entre as opções de investimento disponíveis no PagBank estão uma “experiência simplificada” para “investir na Bolsa direto pelo seu celular”, Tesouro IPCA+ e Tesouro Selic, título de renda fixa pós-fixado com o qual, como explica o marketing do PagBank, “o rendimento acompanha a Taxa Selic e tem liquidez diária, ou seja, rende todo dia e pode ser resgatado a qualquer momento”.
Diante da inversão de ciclo da Selic, inverte-se também a noção de interesse público, que acaba, também ela, privatizada. Assim, certas folhas correm não exatamente para tratar das consequências econômico-sociais do fato - nem vamos falar das suas motivações político-sabotadoras -, mas sim para dar em primeira mão os “ativos mais atrativos” em ciclo de alta da taxa básica de juros, os mesmos oferecidos a leitores-investidores pelo braço bancário do seu conglomerado controlador.
O PagBank pertence ao Grupo UOL, que faz parte do Grupo Folha, que edita a Folha de S.Paulo. O PagBank lucrou R$ 542 milhões no segundo trimestre deste ano, astronômicos, exorbitantes 31% a mais na comparação com o mesmo período de 2023. Pela primeira vez o PagBank lucrou mais de meio bilhão de reais e, sabe como é: até que ponto a especulação influencia a “narrativa”?
Daqui a pouco mais de um mês, entre os dias 28 e 30 de outubro, UOL e Folha de S.Paulo vão promover num hotel cinco estrelas às margens do rio Tâmisa, em Londres, pertinho da City, uma conferência com “líderes políticos, empresariais e investidores para debater questões que moldam o futuro do Brasil”.
Dias atrás, UOL e Folha deram em primeira mão quem serão os ativos mais atrativos, ou melhor, as estrelas do convescote londrino: Michel Temer e Roberto Campos Neto, em “um dos últimos compromissos internacionais dele como presidente do Banco Central”.