Emendas de comissão têm até kit de pesca para associação de jiu-jitsu
Lista de 5.449 emendas de comissão enviada ao Palácio do Planalto foi elaborada ao arrepio de decisão do ministro Flavio Dino, do STF, mas teve apoio do líder do governo e do líder do PT na Câmara.
Há uma semana, na última quinta-feira, 12, chegou ao Palácio do Planalto um ofício da Câmara dos Deputados com uma lista de 5.449 indicações de emendas de comissão, totalizando R$ 4,2 bilhões em liberações requisitadas ao Executivo para já. A maioria das emendas aparece no documento com a observação “ratificação de indicação já encaminhada”.
Muitas dessas emendas, porém, não passaram por deliberação formal nas comissões temáticas da Câmara, em descumprimento ao que determinou recentemente o ministro Flavio Dino, do STF. Elas sequer constam em quaisquer atas do Congresso Nacional. O deputado Glauber Braga, em nome da bancada do Psol, impetrou na última terça-feira, 17, no gabinete de Dino, um mandado de segurança contra Arthur Lira pela condução da distribuição das emendas à base de manobras ilegais.
“Tais fatos comprometem não apenas a legalidade das emendas orçamentárias, mas também a integridade do processo legislativo e o controle democrático sobre a execução do orçamento público”, diz o mandado de segurança, que pede a anulação do ofício.
Entre os 17 líderes partidários que assinaram o ofício - a pedalada em decisão judicial - estão os deputados José Guimarães, líder do governo na Câmara, e Odair Cunha, líder do PT.
Assim, ao arrepio de decisão fresquinha do STF, ninguém sabe, por exemplo, qual foi o deputado federal que fez da pequena cidade de Itabirito, no Quadrilátero Ferrífero mineiro, a beneficiária de nada menos que 28 indicações de emendas de comissão do lote ilegal que chegou na quinta passada ao Palácio do Planalto como chantagem explícita para a aprovação do ajuste fiscal de Fernando Haddad.
Em número de indicações, Itabirito fica atrás apenas de João Pinheiro, outro município de Minas Gerais. Um dos campeões também em devastação do cerrado mineiro, João Pinheiro ganhou um quinhão de 34 emendas, todas para repasse de maquinário agrícola a entidades de direito privado, via Codevasf: grades aradoras, carretas de madeira, roçadeiras hidráulicas para trator e tratores de 75 cv.
Das 5.449 emendas de comissão enviadas por Arthur Lira, Zé Guimarães, Odair Cunha e companhia ao Governo Federal, quase 400 são para compra de tratores. Quando Jair Bolsonaro e Lira criaram a quatro mãos o monstro que ora engole o presidencialismo brasileiro, não demorou para vir à tona a notícia de que o orçamento secreto bancava, via Codevasf, tratores superfaturados em troca de apoio do Congresso.
Agora, compra-se tratores, superfaturados ou por preço justo, em troca de apoio a retrocessos no salário mínimo e no benefício de prestação continuada. Nesta quarta-feira, 18, a Folha de S.Paulo informou que o governo está negociando até “R$ 5 milhões per capita na Câmara” e R$ 12 milhões por senador em uma nova modalidade de emendas parlamentares, as “emendas extras”, ou “emendas pré-datadas”, mas só para quem votar a favor do arrocho.
Voltando à capital do pastel de angu: das 28 emendas de comissão destinadas para Itabirito, apenas uma é para a administração pública municipal, no valor de R$ 600 mil e com objeto tão incerto quanto o padrinho da dotação: “OBRA” - e ponto. Todas as outras 27 são para 27 diferentes associações de direito privado. Todas com o objeto “APL - KIT AQUICULTURA PESCA - COMERCIALIZAÇÃO DO PESCADO”. Todas com o mesmo valor: R$ 11.550, totalizando R$ 311.850.
Foram indicadas para receber “APL - KIT AQUICULTURA PESCA - COMERCIALIZAÇÃO DO PESCADO” mais de 20 associações comunitárias de Itabirito, uma associação de pais e amigos de pessoas excepcionais, outra de apoio a condenados à prisão, uma casa de repouso e até a Associação Itabiritense de Jiu-Jitsu.
A sigla APL é de Arranjos Produtivos Locais. Segundo o portal do Governo Federal, Arranjos Produtivos Locais são “o conjunto de empresas, produtores e instituições que, em um mesmo território, mantêm vínculos de cooperação. Com produtos semelhantes, participam da mesma cadeia produtiva, utilizam insumos comuns, necessitam de tecnologias semelhantes e informações sobre os mesmos mercados. Um APL é a prioridade definida por uma região para o seu desenvolvimento econômico”.
Itabirito tem como principal atividade econômica a extração de minério de ferro, seguida da indústria e serviços.
Nas eleições de 2022, os deputados federais eleitos mais votados em Itabirito foram Nikolas Ferreira (PL), Paulo Abi-Ackel (PSDB), Duda Salabert (PDT) e Pedro Aihara (Patriotas), nesta ordem. Nikolas é presidente da Comissão de Educação da Câmara. Aihara é presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa.
Não confundir Itabirito, terra natal de Telê Santana, com Itabira, terra de Carlos Drummond de Andrade. As duas, porém, têm ferro nas calçadas e nas almas. Ferro, não pescado. O presidencialismo brasileiro, que nos herdou o hábito de sofrer, é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!