Casa Folha: o Brasil paralelo pra caramba da Folha de S.Paulo
"Seu mais novo streaming de conhecimento" é a Casa Folha, um Brasil Paralelo sem glúten e sem lactose, sem anticomunismo (a ver), mas com neoliberalismo na veia.
A Folha de S.Paulo está preparando… bem, vamos deixar a Folha explicar:
“A Folha está preparando uma plataforma exclusiva na qual grandes nomes em diversas áreas dividirão suas visões de mundo e os caminhos que trilharam para alcançar o sucesso. Serão ‘masterclasses’ elaboradas com todo o cuidado para explorar questões essenciais do desenvolvimento pessoal e do profissional. Nós entendemos que a busca pelo conhecimento não se restringe às salas de aula: ela continua em todas as fases da vida”.
Trata-se da plataforma Casa Folha, “seu novo streaming de conhecimento”, que está no forno. O site da novidade diz assim, acima de um botão de inscrição para uma prévia e “para receber em primeira mão uma oferta especial de lançamento” (e nós que pensávamos que jornais dessem notícias em primeira mão, eventualmente a verdade, em vez de ofertas):
“Você está a um clique de desbloquear uma nova maneira de se conectar com o conhecimento. Este é o seu momento. A prévia da nossa série exclusiva está esperando por você, pronta para guiar sua jornada rumo à sua melhor versão! Dê o primeiro passo agora e sinta o poder da transformação”.
Mas não só o formato, a linguagem e a estética são parecidos com os daquela conhecida plataforma de trabalho de base da extrema-direita que ora inicia um novo e virulento ataque, ora veja, às salas de aula, com o documentário “Perseguidos nas universidades”. É possível dizer que a Folha terá em breve, com a Casa Folha, o seu próprio Brasil Paralelo, sem anticomunismo (a ver), mas com neoliberalismo na veia e na companhia de alguns dos seus filhos mais amados, como o empreendedorismo social.
A Casa Folha terá o ultraortodoxo seguidor de cartilha Pedro Malan trazendo, tremei, “novas visões sobre a economia”; terá o “empreendedor social” Edu Lyra sugerindo acabar com a miséria “antes de Marte ser colonizado” - via, por exemplo, pagamento de “comissão para sair da pobreza” a mulheres que vendem de porta em porta produtos de segunda mão “que a sociedade me doa”.
A Casa Folha pôs no ar um teaser da plataforma no qual Edu Lyra aparece à meia-luz de um abajur de banqueiro contando que ele, filho de um assaltante de banco, é hoje certificado pelo Fórum Econômico Mundial como “um dos jovens brasileiros que podem ajudar a mudar o mundo”; pela Forbes como “um dos jovens mais influentes do país”; pela Bloomberg Foundation como “um dos 27 inventores que podem transformar a sociedade no século XXI”.
“Transformar” como? Do jeito que o Fórum Econômico Mundial, a Forbes e os Michael Bloombergs da vida gostam de atraiçoar: esvaziando, junto às massas, o sentido coletivo da luta contra a desigualdade e pela emancipação humana, substituindo-o por um avivamento individualista banhado em coaching, coisa que compete com o anticomunismo do Brasil Paralelo pelo título de pior veneno administrado à sociedade brasileira nos últimos anos, além da cloroquina.
Ou como diz o próprio Edu Lyra no teaser da Casa Folha, explicando uma das frentes do empreendedorismo social sobre as quais ele irá dissertar: “trilhas individuais e personalizadas para famílias não dependerem apenas da transferência de renda, mas conseguirem se emancipar em ciclos de um a dois anos”.
Em vez de “transforme-se em sua melhor versão”, que é o bordão da Casa Folha, muito estilo Marçal, a Casa Folha deveria aproveitar como slogan esta releitura social-empreendedora da famosa frase do velho Marx: “a emancipação dos trabalhadores será obra individual e personalizada, em ciclos de um a dois anos”.
No Brasil Paralelo suave do jornal da “Ditabranda”, o “conhecimento que transforma” são ainda os “poderes da meditação” ensinados pela Monja Coen, outra das “pessoas inspiradoras” que vão pintar “ao longo da sua jornada na Casa Folha”.
A Folha vai de coaching, lançando um Brasil Paralelo sem glúten e sem lactose, mas paralelo pra caramba: fantasioso, quimérico, mistificador.