'Aceitem', disse o golpista. E a Folha aceitou
Não é de hoje que na Folha o princípio da pluralidade tem sido corrompido para o exato contrário do sentido que inicialmente o orientou.
A seção Tendências/Debates da Folha de S.Paulo foi criada em 1976, no âmbito da "reforma opinativa" promovida por Cláudio Abramo. Na época, Abramo convenceu o seu chefe, Octávio Frias de Oliveira, a trazer gente de fora do jornal, mas gente qualificada, para ocupar a página 3 (hoje, página 4, ou 6, quando a capa é vendida para as porcarias da publicidade).
A palavra de ordem da seção nascente era o princípio da pluralidade.
Por mais que aquele movimento da direção da Folha tivesse intenções mercadológicas, o princípio da pluralidade da seção Tendências/Debates, no contexto da ditadura, teve de fato um princípio: consistiu basicamente em intelectuais denunciando violações de Direitos Humanos e defendendo a volta do Brasil à Democracia: Gilberto Freyre, Plínio de Arruda Sampaio, Leonardo Boff, etc.
Só Fernando Henrique Cardoso publicou 69 artigos na Tendências/Debates entre 1976 e 1983, antes de virar o FHC do Consenso de Washington.
A seção Tendências/Debates nasceu, portanto, assim: sob o signo da defesa dos Direitos Humanos e da redemocratização. Foi o que lembrou há alguns anos, aliás, uma ex-ombudsman da Folha, Flávia Lima, em resposta a um leitor curioso, incomodado, que quis saber quais eram os critérios para o jornal publicar na Tendências/Debates um artigo desta ou daquela criatura.
Não é de hoje, porém, que na Folha o princípio da pluralidade tem sido corrompido para o exato contrário do sentido que inicialmente o orientou. Ou seja: perdeu o princípio, restando só a “pluralidade” mesmo, e assim mesmo, entre aspas.
Ou, como disse uma antecessora de Flávia Lima como Ombudsman da Folha, em defesa da contratação de um jovem líder neofascista como colunista do jornal, em 2018: “ao definir o seu time de colunistas, a Folha procura representar o vigor, a diversidade e a amplitude do espectro de opiniões na sociedade brasileira contemporânea”.
A ponto de nesta segunda-feira, 11, a "pluralidade" na Folha ter baixado a níveis de publicação na seção Tendências/Debates de artigo da criatura que tem saudade da ditadura, idolatra torturadores, despreza os direitos humanos, que tentou ela própria, a criatura da caserna, dar um golpe de Estado, agorinha mesmo, dois anos atrás, quando, ora veja, não aceitou o resultado da eleição.
A criatura que, escrevendo em seção que foi de luta pela Democracia, prega que "aceitem" o recrudescimento do fascismo e entubem a “desdemocratizacão”; que submeteu artigo deste teor à Folha, mandando: “aceitem”. E a Folha aceitou.
O Manual da Redação da Folha, por seu turno, manda que os artigos publicados na seção Tendências/Debates sejam sempre acompanhados de um um miniperfil do autor que destaque “informações de pertinência jornalística”, a fim de que o leitor saiba quem é, no duro, o autor do texto.
Sobre o autor do texto “Aceitem a democracia”, publicado nesta segunda no Tendências/Debates”, o miniperfil publicado pela Folha disse apenas assim: “Ex-presidente da República (2019-2022), filiado ao PL”.
Tudo bem que está no Manual da Redação que o miniperfil deve ter até duas linhas. Isso no jornal impresso. Mas daria muito bem, tinha espaço mesmo, para ter informado melhor sobre quem é, no duro, o autor do artigo “Aceitem a democracia”, já que a decisão foi publicá-lo.
Algo bem objetivo seria, por exemplo:
“Ex-presidente da República (2019-2022), indiciado por crimes contra a humanidade pela CPI da Covid-19, investigado no STF por abolição violenta do Estado Democrático de Direito”.