Os 68 contratos assinados em um réveillon pelo general que diz ter ensinado o Rio a fazer licitação

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A Intervenção Federal no Rio de Janeiro, que vigorou de fevereiro a dezembro de 2018, assinou pelo menos 68 contratos com 63 diferentes empresas em um único dia – no último dia de vigência da Intervenção, 31 de dezembro daquele ano. O número representa 61% do total de 111 contratos assinados pela Intervenção decretada por Michel Temer e chefiada pelo general Walter Braga Netto.

Em 24 horas, numa véspera de réveillon, Braga Netto empenhou mais de R$ 300 milhões em recursos federais comprando de helicópteros a bombas de efeito moral, passando por coletes à prova de balas, dezenas de milhares de pares de coturnos, 21 mil cintos sociais pretos e 300 calças para motociclistas Riffel, modelo Summer, que saíram a R$ 1.020 a unidade.

Trezentas calças de mil reais, R$ 306 mil, só para os motociclistas do Batalhão de Choque da PM fluminense, que costumam andar é de Caveirão.

Ao longo dos 10 meses e meio de funcionamento da Intervenção, um único contrato feito pela equipe do general Braga Netto foi assinado mediante concorrência, um contrato de R$ 2,7 milhões para reforma da Academia de Polícia Militar Dom João VI.

Os dados são de um levantamento feito pelo Come Ananás no Portal da Transparência do Governo Federal. O sistema do portal informa 66 contratos assinados pelo Gabinete de Intervenção Federal (GIF) no dia 31 de dezembro de 2018, entre eles o segundo maior da Intervenção, de R$ 136 milhões, para aquisição de três helicópteros junto à empresa FBR Aviation.

Avieixiom? Como mostrou o jornalista Paulo Motoryn, no Intercept Brasil, a empresa que vendeu helicópteros para a Intervenção de Braga Netto é da Flórida mas a dona é uma “master coach” brasileira que mal sabe falar inglês, e o contrato foi abençoado por um capitão reformado da Marinha.

Além desses 66 contratos, Come Ananás identificou outros dois assinados pela Intervenção em 31 de dezembro de 2018 e que não aparecem na listagem do Portal da Transparência. Um deles, de R$ 944 mil, foi para a compra de um software de inteligência para monitoramento de redes sociais cujo fornecedor informou um endereço em Porto Alegre onde funciona uma imobiliária de alto padrão.

O outro, para compra de coletes à prova de balas, acabou suspenso após denúncia de fraude documental e hoje está sob investigação da Polícia Federal por suspeita de favorecimento e superfaturamento. O dono da empresa fornecedora, outra empresa da Flórida, a CTU Security, está preso nos EUA acusado de participação no assassinato em 2021 do então presidente do Haiti, Jovenel Moïse.

Estes dois contratos dos 45 do segundo tempo da Intervenção de Braga Netto – software espião, coletes à prova de balas – foram assinados sob dispensa de licitação.

O último dia da Intervenção foi também o derradeiro da autorização para uso do crédito extraordinário de R$ 1,2 bilhão aberto pelo governo Temer para o Gabinete de Intervenção gastar e da licença pedida por Braga Netto, e concedida pelo TCU, para gastar o crédito extraordinário em contratações diretas, “com vistas à redução de criminalidade no Estado do Rio de Janeiro”.

A Intervenção no Rio assinou ao todo seis contratos sob dispensa ou inexigibilidade de licitação entre setembro e dezembro de 2019, somando empenhos de R$ 126 milhões.

Além do contrato com a CTU, outros dois sem licitação, com as empresas Glágio do Brasil e Inbraterrestre, também para compra de coletes balísticos, também estão sob investigação da PF, por suspeita de cartel.

Sem licitação, a Intervenção comprou ainda 300 espingardas calibre 12 e mais de um milhão de balas para armas de fogo da Companhia Brasileira de Cartuchos, em dois contratos com valor total de R$ 8,5 milhões.

Cartuchos, cartuchos, cartuchos.

A Intervenção Federal no Rio foi na Segurança Pública do Rio, o que inclui a Defesa Civil. No dia 19 de dezembro de 2018, a poucos dias do fim da Intervenção, o general Braga Netto entregou à Defesa Civil do Rio… 13 mil cartuchos calibre .40.

No fim do verão de 2022, quando as chuvas castigaram Petrópolis, na Região Serrana fluminense, elas, as chuvas, tinham matado 238 pessoas em Petrópolis.

Só elas, as chuvas?

No dia 16 de fevereiro do ano passado, uma quarta-feira da Imaculada Conceição, padroeira do Exército, a Rede Globo exibiu ao vivo uma mulher descendo um assombroso paredão de escombros no bairro Alto da Serra, em Petrópolis, chamando por “Duda”. A mulher repetia em voz alta, desolada, o apelido de sua filha de 17 anos de idade, que estava soterrada por toneladas de lama, pedra e concreto em algum ponto de um quadro de devastação total.

A repórter Bette Lucchese colheu da mãe o lamento de que não havia ninguém ali para ajudar, logo antes de ela própria, em busca da filha, pegar uma enxada para entrar numa luta tão desesperada quanto inútil contra a massa descomunal movida pela avalanche.

Como poderiam servir para a mãe da Duda os 13 mil cartuchos .40 entregues pela intervenção de Braga Netto para a Defesa Civil do Rio de Janeiro?

Meses depois, às vésperas do segundo turno das eleições, o general de Exército Walter Souza Braga Netto, ex-interventor, então candidato a vice-presidente da República, disse o seguinte em uma entrevista a um site de extrema direita sobre o “legado imaterial” deixado pela Intervenção Federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro:

“Nós ensinamos eles a fazer licitação, pra comprarem melhor. Ensinamos pra eles uma série de coisas da sistemática das Forças”.

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