Em seu poema “A cruzada das crianças”, Bertolt Brecht narrou a peregrinação de 55 crianças polonesas para o sul no outono de 1939, quando os nazistas invadiram a Polônia. Brecht dedicou o poema ao ator Pawel Rouba, que ouviu a história quando ele próprio era criança. São estes os primeiros versos de “A cruzada das crianças”:
No ano de trinta e nove,
a Polônia verteu sangue;
suas vilas pereceram
sob o fogo das falanges.
A criança ficou órfã,
faleceu o irmão querido,
a cidade era só chamas,
a mulher perdeu marido.
Do país nada chegava,
só rumores sem valia,
mas em terras lá no leste
estranha história se ouvia.
Com a neve foi chegando
a notícia ao oriente:
na Polônia uma cruzada
infantil era nascente.
Pequeninos mui famintos
em tropinhas se juntavam
atraindo mais crianças
das ruínas que os cercavam.
Escapavam às batalhas
e deixavam para trás,
desejavam só descanso
num país cheio de paz.
Havia um pequeno chefe
que animá-los bem queria,
porém algo o preocupava:
o caminho não sabia.
Vagaram, vagaram, vagaram os 55 pequenos poloneses, em grande apuro, até que no inverno o grupo foi visto pela última vez, caminhando sob e sobre a neve. São os seguintes os últimos versos do poema:
Quando fecho os meus olhos,
vejo-os perambular,
vagando de sítio em sítio,
sem nenhum auxílio achar.
Mais acima, lá nas nuvens,
vejo outra procissão,
enfrentando o vento frio,
sem ter casa ou direção.
Buscando a terra da paz,
sem as bombas estourando,
atrás de um novo país,
vai crescendo assim o bando.
Ao mirá-lo no crepúsculo,
não lhe vejo a mesma tez:
outras caras eu contemplo,
de espanhol, francês, chinês!
Na Polônia, nesse inverno,
foi achado junto ao poço
um cachorro carregando
uma placa no pescoço.
“Socorro!”, dizia a placa,
“Perdemos a direção,
nós somos cinquenta e cinco,
busquem-nos seguindo o cão.
Não podendo vir salvar-nos,
façam o cão retornar,
não o matem, por favor,
ele, só ele, sabe o lugar.”
Era letra de criança,
leram-na uns camponeses.
Mais ou menos um ano se passou,
e o bom cão morreu há meses.
Uma placa de socorro para ver da lua
Nesta terça-feira, 7, a organização independente Defense For Children International – Palestine (DCIP) publicou que, no atual capítulo do genocídio do povo palestino, Israel já matou em um mês duas vezes mais crianças palestinas em Gaza do que o número total de crianças palestinas mortas na Cisjordânia e em Gaza juntas desde 1967.
“As forças israelenses mataram pelo menos 4.237 crianças palestinas em Gaza em um mês, desde que os militares israelenses desencadearam uma ofensiva militar massiva na Faixa de Gaza em 7 de outubro, de acordo com o Ministério da Saúde palestino em Gaza. Há mais 1.350 crianças desaparecidas sob os escombros de edifícios destruídos, a maioria das quais são consideradas mortas, o que significa que mais de 5.500 crianças palestinas foram mortas em Gaza nos últimos 30 dias, a uma média de mais de 180 crianças por dia”.
Cinco mil e quinhentas crianças mortas nos bombardeios de Israel à Faixa de Gaza, em um mês. Consta que os mísseis de precisão de Israel atingem seus alvos com no máximo um metro e meio de margem de erro.

Há um mês, o governo de Israel afirmou que proporcionalmente morreram mais israelenses no ataque do Hamas do que estadunidenses nos ataques de 2001 nos EUA, a fim de dizer que o 7 de outubro foi pior que o 11 de setembro – a fim de justificar uma “guerra ao terror’ para os sionistas chamarem de sua.
Pois o Estado Terrorista de Israel vem matando mais crianças em Gaza, proporcionalmente, do que os nazistas mataram nos campos de concentração, como mostrou Aldo Fornaziere nesta quarta-feira, 8, no GGN.
Outra diferença de agora para a Grande Guerra é que na Grande Guerra só o cão – “ele, só ele” – sabia onde estavam os 55 da marcha das crianças.
Bibi Netanyahu sabia muito bem onde estavam as 5.500 crianças mortas por Israel nos últimos 30 dias. E não só ele. Todos sabiam: de Joe Biden a Rishi Sunak, passando por Macron. Todos sabiam e todos sabem onde estão agora mesmo as crianças palestinas que agora mesmo escrevem seus nomes em seus corpos, para que seus cadáveres possam ser identificados no amanhã que para elas não vai chegar.
A Faixa de Gaza é hoje, além de um grande cemitério de crianças, uma grande placa de socorro. Tem 365 quilômetros quadrados. Dá pra ser vista da lua. A “comunidade internacional”, porém, finge que não a vê.

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