Quando formulou seus célebres questionamentos às premissas implícitas das pesquisas de opinião, e lá se vão muitas décadas, Pierre Bourdieu deixou para o final talvez o mais importante deles: vai contrabandeada no fato de se colocar a mesma questão a todo mundo a hipótese de que há consenso sobre a justeza, a importância dessa questão ser trazida à baila, ainda que cumpridos os rigores metodológicos.

Sobre a pesquisa Datafolha que perguntou a duas mil pessoas se “o Brasil corre o risco de se tornar um país comunista?”, com metade delas dizendo que sim, alguém poderá argumentar em sua defesa que, vai, importa medir o efeito do envenenamento ao qual a sociedade brasileira foi submetida nos últimos anos.

Mas a própria Folha dá uma pista do motivo de a questão ter sido colocada aqui e agora, quando afirma – por conta própria, não como resultado de alguma pergunta concomitante da pesquisa – que “o apoio do PT e de Lula a ditaduras de esquerda na América Latina ajuda a manter o fantasma acordado”.

Quase dá para ouvir Bourdieu dizendo que “as problemáticas que são propostas pelas pesquisas de opinião se subordinam a interesses políticos”.

Sobre a outra problemática protuberante da pesquisa Datafolha, “a ditadura trouxe benefícios para o Brasil?”, o curioso é que, aparentemente, tampouco a esta pergunta do Datafolha houve outra concomitante, em caso de resposta “sim” – e 32% responderam que, sim, a ditadura trouxe benefícios para o Brasil.

Mas quais seriam? Salvo um eventual detalhamento guardado para a semana, isto o Datafolha não perguntou, de modo que seria mais justo somar os 16% que não souberam responder aos 32% que responderam “sim”, o que daria 48% de pobres de espírito que não exatamente se enojam com a ditadura, não com a ditadura posta assim pelo pesquisador, implicitamente desta forma: como remédio amargo.

Só mesmo um grupo empresarial que chegou a classificar a ditadura como “ditabranda” pode achar uma boa ideia pôr a ditadura nestes termos, como que convidando as pessoas a refletirem sobre os benefícios do café e os malefícios da cafeína, ou como quem pergunta sobre um copo meio cheio, meio vazio, não de água, mas do sangue de torturados, assassinados e desaparecidos.

Ou sobre um eventual lado bom de algum grupo empresarial ter emprestado carros para Operação Bandeirante – a Oban, criada pela ditadura em 1969 para caçar… “comunistas”.

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