Foto: Elaine Machado.

“O Brasil tem pressa de saber se seu presidente condenará, sem adversativas, as manobras do MST como aquilo que são – crimes contra o setor mais dinâmico e produtivo da economia nacional”, diz editorial do Estadão publicado nesta sexta-feira, 3, no qual o jornal cobra, colérico, que os governos petistas federal e da Bahia atuem “prontamente para restabelecer os direitos de propriedade violentados” pelo MST.

Na última segunda-feira, 27, o MST ocupou três fazendas de monocultura de eucalipto da Suzano Papel e Celulose no sul da Bahia. “A invasão é, antes de tudo, um caso de polícia”, selou o Estadão, no editorial.

Vamos dar de ombros, porque é caso perdido, para o fato de que para a imprensa corporativa a propriedade é o único direito previsto na Constituição, além de ser a propriedade privada, para esta imprensa, o único tipo de propriedade possível sobre a terra – e sobre a Terra.

Vamos ainda passar rapidamente pela redução da questão agrária no Brasil a “um caso de polícia”, porque este tipo de assertiva está longe de ser novidade e apenas para lembrar, agora, restabelecido o mínimo de participação do campo popular nas instâncias decisórias, que o latifúndio, tumor do Brasil, tem forças de prontidão operacionais não apenas nas tribunas do Congresso, mas nas tribunas também.

Nesta sopa de reacionarismo hidrofóbico, o mais interessante de se notar é a desenvoltura com que um dos maiores jornais do Brasil se atreve a pôr em tintas exortações para que os fatos sejam encarados “sem adversativas”, ou seja, sem contexto – palavra cara, ora veja, ao jornalismo profissional.

No caso da ocupação do MST no sul do Bahia, a área ocupada pertencia à Fibria, antiga Aracruz Celulose, antes de pertencer à Suzano. Em 2009, quando foi comprada pelo grupo Votorantim, a Aracruz mudou de nome, visando apagar, num passe de rebranding, todo um passado de agressões ambientais, a comunidades tradicionais e a povos originários.

Em 2018, a Fibria, velha Aracruz, foi comprada pela Suzano. O negócio fez da Suzano uma das maiores proprietárias de terras não só do país, mas do mundo, reinando sobre mais de dois milhões de hectares de solo brasileiro.

Além das terras, a Suzano incorporou ao seu próprio portfólio de contradições com a função social da terra toda uma série de conflitos agrários envolvendo a Fibria. Entre eles, uma disputa histórica com trabalhadores sem-terra no sul da Bahia. Em 2012, a Fibria e o MST chegaram a um acordo segundo o qual a empresa abriria mão de ações para reintegração de posse e investiria em um projeto de apoio a famílias assentadas. As ocupações desta semana são para cobrar da Suzano o cumprimento do acordo.

Baita contexto, não? No Estadão, porém, basta ignorá-lo: “sem adversativas”. Para o Estadão, a pauta fundiária no Brasil é só uma questão de safra, saca e celulose. Para o Estadão, quem insiste em notar as ligações do latifúndio com o ascensão do fascismo e o recrudescimento do golpismo no Brasil tem que ajoelhar no milho, de preferência transgênico, e agradecer ao “agronegócio” os empregos gerados.

O Estadão chega a defender, no editorial, um Incra “independente”, cuidando apenas de titularizações, tipo o Banco Central “autônomo” cuidando apenas de comprar e vender e vender títulos públicos e de proteger a Selic da “irresponsabilidade monetária”…

“Com a titularização, os assentados tornam-se agricultores familiares, capazes de decidir os rumos de sua propriedade e colher os frutos de seu trabalho. Mas, com isso, deixam de ser massa de manobra do MST e objeto de tutela política do PT”, diz o Estadão, desfilando sua aversão a tudo que seja feito coletivamente pelas classes trabalhadoras.

A última vez que o Estadão tinha usado a expressão “sem adversativas” em editorial foi no dia 25 de outubro de 2018, vésperas do segundo turno das eleições daquele ano. Naquela feita, o jornal falava de eleitores que, imagina, não queriam votar em Jair Bolsonaro, produzindo, o jornal, a seguinte pérola:

“Para esses eleitores, somente se o PT reconhecesse, de maneira honesta e sem adversativas, seu papel preponderante na ruína econômica, política e moral do Brasil nos últimos anos, cujos frutos mais amargos foram o empobrecimento do País e a desmoralização da política, talvez houvesse alguma chance de mudar de ideia”.

Não o PT, mas a dobradinha entre a mídia e a Lava Jato foi a grande responsável pela “desmoralização” da política no Brasil. Não o PT, mas Sergio Moro, Eduardo Cunha, Michel Temer, etc, sempre com apoio da mídia, eram os principais responsáveis, naquela altura, pela ruína política e moral do Brasil. Mas o que isso importa? São apenas adversativas…

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