O Centrão ficou contrariado com escolha do general da reserva Walter Braga Netto para a vice de Jair Bolsonaro. O Centrão entende que, eleitoralmente, a chapa é, digamos, de matar. Entende errado, porque, como já clarificou o blog Tijolaço, Braga Netto na vice é Bolsonaro movendo peças visando não as urnas, mas sua intenção golpista. De resto, a chapa Bolsonaro-Braga Netto é um tributo macabro, vergonhoso e inaceitável à falta de solução para o caso Marielle Franco.
As listas de 10 fatos, ou mais, que ligam a família Bolsonaro a milícias da Zona Oeste do Rio de Janeiro abundam na internet. Todos públicos, notórios e certificando uma proximidade visceral que, por si só – com as homenagens a milicianos na Alerj e emprego de parentes de milicianos em gabinetes legislativos – bastaria para que toda a família estivesse no xadrez, em vez de no Palácio do Planalto.
Especificamente sobre a proximidade de Jair Bolsonaro com milicianos da Zona Oeste que executaram Marielle Franco, ela é literal. Jair Bolsonaro era vizinho de condomínio, de poucos metros mesmo, do miliciano Ronnie Lessa, o apertador de gatilho do duplo assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. O filho 04 de Bolsonaro, Jair Renan, andou de namorico com a filha de Lessa.
Anos antes, Bolsonaro, então deputado, interveio em favor de Ronnie Lessa na Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), quando Lessa perdeu uma das pernas numa explosão.
Em 2019, Bolsonaro se mudou e virou “o cara da casa de vidro”, que foi como comparsas de outro miliciano suspeito de envolvimento no caso Marielle, Adriano da Nóbrega, referiram-se a Bolsonaro – e ao Palácio da Alvorada – num ligação interceptada após a execução de Adriano por PMs na Bahia, mais precisamente no sítio de um político bolsonarista.
O cúmplice de Ronnie Lessa na “missão dada é missão cumprida” contra Marielle, Élcio de Queiroz, aparece em foto com Jair Bolsonaro às vésperas do primeiro turno das eleições 2018, entre dirigir para Ronnie Lessa apertar o gatilho, em março daquele ano, e ser preso por participação no crime, em março 2019.
Quando o porteiro do condomínio Vivendas da Barra disse em depoimento que Élcio de Queiroz, horas antes da execução de Marielle, foi anunciado na casa de Jair Bolsonaro, e não na de Ronnie Lessa, Bolsonaro correu para passar a mão em provas da investigação, em escancarada obstrução da Justiça, e para escalar seu então marreco de guarda, Sergio Moro, para ameaçar publicamente o porteiro, que imediatamente mudou sua versão.
O Rio e o ‘rio da História’
Quando Marielle Franco foi assassinada, o general Braga Netto era o governador de fato do Rio Janeiro, enquanto interventor do estado nomeado – ilegalmente, porque a lei prevê que seja um civil – por Michel Temer, que também chegara de forma ilegítima à presidência da República.
No dia 11 de janeiro de 2019, com a intervenção recém-encerrada e com Bolsonaro recém-empossado, o general Eduardo Villas Bôas, ao passar o comando do Exército a Edson Pujol, fez questão de dizer que “três personalidades se destacaram para que o ‘rio da História’ voltasse ao seu curso normal. O Brasil muito lhes deve”.
Referia-se a Jair Bolsonaro, Sergio Moro e Braga Netto.
E “rio da história” estava agitado naquele 11 de janeiro de 2019: naquele mesmíssimo dia saiu uma entrevista perturbadora de Braga Netto à revista Veja. Quando perguntado sobre o motivo do assassinato de Marielle, se o crime teria sido uma tentativa de desmoralizar a intervenção, o general afirmou que não, e emendou: “aquilo [o assassinato] foi uma má avaliação deles. Avaliaram mal, acharam que ela é um perigo maior do que o que ela era”.
“Um perigo para quem?”, perguntou, estupefato, o repórter Leandro Resende.
“Não vou entrar nesse mérito”, respondeu Braga Netto, para em seguida entrar em patente contradição, dizendo algo sobre que “acharam, de repente, que o estado, por estar sob intervenção, tinha desorganizado as polícias…”.
Ainda sobre o curso do “rio da História”: logo em seguida, em abril de 2019, Braga Netto assumiu a chefia do Estado-Maior do Exército, de onde pulou para a chefia da Casa Civil da Presidência da República, passando para a reserva da força terrestre. De lá, da Casa Civil, foi nomeado ministro da Defesa. Há três meses, no início de abril, Walter Braga Netto foi exonerado da Defesa para ser candidato a vice presidente na chapa do “cara da casa de vidro”.
O coordenador da campanha
Em novembro de 2018, ainda na vigência da intervenção no Rio de Janeiro, e com Bolsonaro já eleito presidente da República, o então secretário de Segurança Pública do Rio, general Richard Fernández Nunes, disse o seguinte à GloboNews sobre o assassinato de Marielle Franco: “é um crime que tem a ver com a atuação política e a contrariedade de alguns interesses. Se a milícia não está a mando, está na execução. Provavelmente [tem político envolvido]”.
Braço direito de Braga Netto na intervenção, e hoje comandante militar do Nordeste, o general Richard Nunes disse ainda naquela ocasião que o crime vinha sendo planejado desde 2017 por gente que via na vereadora “uma ameaça a negócios de grilagem de terras na Zona Oeste do Rio”.
Em abril de 2020, o Intercept Brasil publicou informações sigilosas de um inquérito do Ministério Público do Rio de Janeiro segundo as quais Flavio Bolsonaro lucrou com a construção ilegal de prédios erguidos pela milícia em áreas griladas nas favelas de Rio das Pedras e Muzema e financiados com dinheiro das rachadinhas de Flavio na Alerj. Segundo o MPRJ, o esquema que era gerenciado por Fabricio Queiroz e envolvia Adriano da Nóbrega e outro miliciano, Ronald Pereira.
Ronald é suspeito de também ter participado do assassinato de Marielle.
Quando Adriano da Nóbrega foi morto na Bahia, o chefe da milícia de Rio das Pedras estava sendo procurado pelos crimes de receptação de mercadorias roubadas, cobrança irregular de taxas à população e grilagem de terras. Quando Ronald Pereira foi preso, no movimentado mês de janeiro de 2019, o chefe da milícia da Muzema vinha sendo investigado por crimes como agiotagem e, sempre, grilagem de terras.
Entre 2003 e 2004, tanto Adriano da Nóbrega quando Ronald Pereira foram homenageados na Alerj – um com a Medalha Tiradentes, outro com moção honrosa – por recomendação de Flavio Bolsonaro.
A descoberta do esquema de construção irregular em terrenos grilados na Zona Oeste do Rio e irrigado com dinheiro da rachadinha de Flavio Bolsonaro foi feita precisamente em meio aos desdobramentos das investigações sobre os assassinatos de Mariele Franco e Anderson Gomes.
Flávio Bolsonaro, além de filho mais velho do cabeça de chapa da casa de vidro, é o coordenador da campanha da chapa Bolsonaro-Braga Netto.
É que o rio das Pedras e o rio Muzema, além de fazerem parte da sub-bacia de Jacarepaguá, compõem, quem diria, a bacia hidrográfica do “rio da História”.
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