Na Argentina, que acaba de eleger o economista “libertário” Javier Milei, a palavra “liberdade” apareceu nove vezes no pronunciamento sobre as medidas econômicas do porvir:
“Liberdade de preços, eliminação de controles de preços; liberdade das transações cambiais com a eliminação dos controles cambiais; liberdade do comércio exterior com a eliminação dos monopólios de exportação, por exemplo, de grãos e carne; liberdade de exportação através da eliminação de proibições e impostos de exportação; liberdade de importar, com a eliminação de proibições, cotas, licenças e a aplicação de um programa tarifário de redução gradual ao longo de cinco anos; liberdade das taxas de juro e a aplicação de uma reforma financeira que abra o setor à concorrência interna e externa; liberdade de salários, com base em salários mínimos estabelecidos pelo Estado; liberdade para investimentos estrangeiros sob condições justas e saudáveis, tanto para o interesse nacional como para os investidores; liberdade para a transferência de tecnologia, num quadro que promova e não dificulte este movimento fundamental de modernização da nossa economia”.
Neoliberalismo na veia – sempre muito sedutor -, este pronunciamento, porém, não foi feito na noite deste domingo, 19, por Javier Milei ou por algum dos seus “postos Ipiranga” egressos da ditadura ou do governo Carlos Menem – o que dá quase na mesma.
Este pronunciamento, trazido à baila neste domingo, 19, por um jornal de Buenos Aires, data do dia 10 de julho de 1980 e foi feito pelo ministro da Economia da ditadura argentina, José Alfredo Martínez de Hoz. Naquele dia, em cadeia nacional, Martínez de Hoz disse o seguinte:
“O governo das Forças Armadas não só extirpou a subversão terrorista, mas oxigenou moralmente a nossa vida econômica”.
Na Argentina, o governo das Forças Armadas extirpou 30 mil pessoas.
Mais tarde, o próprio Martínez de Hoz foi preso por violação dos direitos humanos. O velho ideólogo econômico da ditadura argentina foi condenado pelo sequestro de dois empresários em 1976, no âmbito do enfrentamento do passado recente ao qual a Argentina – ao contrário do Brasil – não se furtou em levar adiante.
O fascista Martínez de Hoz morreu em 2013, quando cumpria prisão domiciliar. Neste domingo, dez anos depois, foi eleito presidente da Argentina. Poucos dias antes da votação, a vice de Milei, Victoria Villarruel, disse para quem quisesse ouvir que a Argentina só sairia da crise pelo caminho da “tirania”. Milei e Villarruel são negacionistas da ditadura.
Neste domingo, 55% dos argentinos que saíram para votar sufragaram a chapa Milei-Villarruel.
Quando a Comissão Nacional Sobre o Desaparecimento de Pessoas (CONADEP) da Argentina apresentou o Relatório Nunca Mais, em 1984, a comissão acreditava no seguinte, conforme consignado no prefácio ao Relatório Sábato:
“As grandes calamidades sempre geram lições e, sem dúvida o drama mais terrível que a Nação sofreu em toda a sua história servirá para compreendermos que só a democracia é capaz de preservar o povo de tal iniquidade; que somente ela pode manter e salvar os sagrados e essenciais direitos da criatura humana. Só assim poderemos ter certeza de que NUNCA MAIS em nossa pátria acontecerão os fatos que nos fizeram tragicamente famosos no mundo civilizado”.
Acreditava errado.
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