Na última sexta-feira, 1º, o Ministério da Defesa enviou um ofício à CPMI do 8/1 informando “impossibilidade de atendimento” à requisição de acesso às imagens gravadas na sede da pasta entre os dias 1º de julho e 31 de dezembro de 2022. O requerimento foi feito pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) após o hacker Walter Delgatti Netto dizer que esteve cinco vezes no prédio da Defesa em agosto do ano passado, para tratar de urnas eletrônicas. O ofício diz que as imagens foram apagadas sob o amparo de uma norma interna que prevê tempo de armazenamento de 30 dias. A norma, porém, não abrange a totalidade das instalações do ministério.
Segundo a Defesa, as imagens foram eliminadas em consonância com o previsto no artigo 8º da Instrução Normativa SEORI/SG-MD nº 7 de 24 de fevereiro de 2022, que “estabelece os procedimentos para o funcionamento do monitoramento de segurança, o acesso, a reprodução e a utilização de imagens geradas por meio do Sistema de Circuito Fechado de Televisão (CFTV) que integra o serviço de segurança institucional do Bloco ‘Q’ (edifício-sede) e do edifício Anexo ao Bloco ‘O’ do Ministério da Defesa”.
De fato, o artigo 8º da norma que rege a captura de imagens do prédio da pasta diz que “o tempo de retenção das imagens é de 30 dias”. O artigo 3º da mesma Instrução Normativa, porém, diz que ela não se aplica a dois órgãos do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA). O EMCFA funciona no mesmo prédio do Ministério da Defesa.
“Esta Instrução Normativa não se aplica aos sistemas de monitoramento da Subchefia de Comando e Controle (SC-1) e da Chefia de Inteligência de Defesa (SC-2) da Chefia de Operações Conjuntas (CAE) do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA)”, diz o artigo 3º da Instrução Normativa.
A Equipe das Forças Armadas de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação (EFASEV), que atuou no segundo semestre do ano passado levantando suspeitas sobre as urnas eletrônicas, era diretamente vinculada ao EMCFA, por força da portaria que instituiu a EFASEV – a portaria nº 4.115, de 2 de agosto de 2022, assinada pelo então ministro da Defesa, general Paulo Sergio Nogueira de Oliveira. Cabia ao EMCFA, “em coordenação com os Comandos das Forças Singulares”, expedir diretrizes para os trabalhos da EFASEV.
Subchefia de Comando e Controle
A Subchefia de Comando e Controle da Chefia de Operações Conjuntas do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, uma das estruturas às quais não se aplica a norma citada pela Defesa na resposta à CPMI, abrange a Seção de Defesa Cibernética e Guerra Eletrônica, órgão criado em novembro de 2021 pelo general Walter Souza Braga Netto, à época ministro da Defesa, a fim de fomentar “uma mentalidade de Guerra Eletrônica e o incremento da interoperabilidade das atividades de Guerra Eletrônica nas Forças Armadas”.
No último 23 de agosto, Come Ananás mostrou que as visitas que Walter Delgatti diz ter feito ao Ministério da Defesa teriam acontecido durante a realização, sob o guarda-chuva da Defesa, da edição de 2022 do Exercício Guardião Cibernético, de ataques hackers fictícios do tipo Capture The Flag (CTF) e atividades de Problemas Cibernéticos Simulados (PCS).
Realizado anualmente desde 2018, o Exercício Guardião Cibernético é considerado o maior exercício de guerra cibernética do Hemisfério Sul e tem o EMCFA como uma das estruturas participantes, a nível estratégico.
A nível operacional, o Guardião Cibernético é conduzido pelo Comando de Defesa Cibernética (ComDCiber) do Exército. No ano passado, o ComDCiber estava sob a chefia do general Heber Garcia Portella, que foi o nome indicado por Braga Netto para representar as Forças Armadas na Comissão de Transparência das Eleições (CTE) do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A CTE foi criada em setembro de 2021 pelo então presidente do TSE, Luis Roberto Barroso, como tentativa de refrear os ataques de Jair Bolsonaro – e dos militares – à credibilidade do processo eleitoral.
Em 2022, como em 2020 e 2021, a multinacional brasileira Kryptus Segurança da Informação, que fabrica componentes de segurança das urnas eletrônicas, foi uma das empresas chamadas pelo ComDCiber para dar apoio ao Exercício Guardião Cibernético. O CEO da Kryptus, Roberto Alves Gallo Filho, também integrou a CTE, junto com o general Portella.
Assessoria de Inteligência em Defesa
A Chefia de Inteligência de Defesa, o outro órgão não abarcado pela norma regente do circuito de televisão do Ministério da Defesa, foi transformada em Assessoria de Inteligência de Defesa do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas logo após a edição da Instrução Normativa de 24 de fevereiro de 2022, no âmbito de alterações da estrutura organizacional do ministério feitas por meio do decreto Nº 10.998 de 15 de março de 2022.
Entre as atribuições da Assessoria de Inteligência em Defesa estão “coordenar o Sistema de Inteligência de Defesa e o Sistema de Inteligência Operacional”; “efetuar o credenciamento de segurança da administração central do Ministério da Defesa e dos órgãos a ele vinculados”; e manter interlocução com o ComDCiber e com o Comando de Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército para utilização de produtos, entre outros, cibernéticos.
O ofício do Ministério da Defesa à CMPI do 8/1 é assinado pelo ministro José Múcio Monteiro e pelo Diretor do Departamento de Engenharia e Serviços Gerais da pasta, coronel do Exército Odilon Mazzini Junior, que é remanescente do governo de Jair Bolsonaro. Antes de assumir a diretoria na Defesa, em maio de 2021, o coronel Mazzini Junior ocupou outro cargo no governo Bolsonaro, na Secretaria-Geral da Presidência da República.
Come Ananás entrou em contato com o Ministério da Defesa para perguntar se há norma de retenção de imagens específica para a Subchefia de Comando e Controle e para a atual Assessoria de Inteligência de Defesa do EMCFA. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.