O bate-cabeça na hora de distribuir para os estados as (poucas) doses de vacinas pediátricas contra a covid-19 que chegaram ao Brasil na última quinta-feira, 14, escancarou o fato de que o transporte pelo país do principal “ativo” (para usar uma palavra da moda) contra o vírus que já matou 621 mil brasileiros não está sequer mais apenas terceirizado.
“Quarteirizado” já está faz tempo.
O transporte de lotes de vacinas contra a covid no Brasil tem sido feito por companhias como Azul e Latam em voos regulares de transporte de passageiros. Trata-se de “parcerias” com a famigerada VTC-Log, a empresa para a qual Michel Temer e a gangue de Ricardo Barros entregaram toda a logística do SUS, e cujos donos e principais executivos foram indiciados no relatório da CPI da Pandemia.
A VCT-Log recebeu R$ 300 milhões do Governo Federal em 2021, 25% a mais do que em 2020. Já a Latam, por exemplo, nada cobra para transportar vacinas em seus “aviões solidários”.
A beleza das parcerias público-privadas fica um pouco despenteada quando a realidade traz à lembrança que o vaivém do bem mais precioso em tempos de pandemia obedece, ao fim e ao cabo, aos painéis de pousos e decolagens da aviação comercial, em vez de a planejamentos, digamos, de Estado; e está refém das contingências das aéreas, como ficou claro com os atrasos nas entregas das vacinas pediátricas aos estados, nesta sexta-feira, 14, porque boa parte da folha de pagamento da Latam estava afastada com covid.

Mas essa é outra história.
A história que pede passagem neste sábado, 15, é que várias secretarias estaduais de Saúde relataram à repórter Malu Gaspar, d’O Globo, estupefato com uma mudança repentina e tumultuada da empresa terceirizada do Ministério da Saúde, do “parceiro” da Latam na distribuição de vacinas, para distribuição das vacinas pediátricas.
Os relatos são de que ninguém sabe, ninguém viu vivalma com crachá da VTC-Log para desembarcar vacinas nos aeroportos das capitais estaduais. Quem apareceu foram funcionários de uma empresa de Guarulhos chamada IBL Logística. Quando apareceu: no Recife, um sumiço do pessoal da IBL provocou uma alteração na temperatura do armazenamento e quase comprometeu todo o primeiro lote de vacinas pediátricas destinado a Pernambuco.
“A vacina chegou a -48°C. O ideal seria entre -70°C e -90°C. Se tivéssemos esperado mais tempo, provavelmente iria comprometer a estabilidade da vacina. Se fosse um lote maior, haveria uma chance grande de perdermos doses, porque nessa temperatura elas duram apenas uma semana”, contou a superintendente de imunizações de Pernambuco, Ana Catarina Melo.
Outros representantes estaduais, reporta Malu Gaspar, disseram que a IBL, ao contrário do que é de praxe, não conferiu a integridade dos lotes nem a temperatura das vacinas antes de fazer a liberação.
Curiosidade número um: o Portal de Transparência do governo federal não informa qualquer contrato ativo da IBL Logística com o Ministério da Saúde – há um expirado com a Saúde e três com o Ministério da Economia.
Curiosidade número dois: a IBL já recebeu pelo menos duas premiações da Latam, uma por “parceria”.
Curiosidade número três: os logotipos da IBL e da VTC-Log são, digamos, muito parecidos, mas talvez todos os logos de todas empresas de logística que se lambuzam no SUS após o golpe sejam algo semelhantes, ou pode ser só alguém plagiando alguém.


O certo é que o Ministério da Saúde promoveu no Brasil, de alguma maneira, uma insólita “quinteirização” do caminho das primeiras vacinas pediátricas até os braços infantis, caótica a ponto de arriscar a integridade do produto.
Se nas últimas semanas o governo Bolsonaro e o ministério de Queiroga tivessem dado algum sinal de que querem boicotar a vacinação de crianças contra a covid, alguém poderia dizer que foi tudo de propósito.