Daqui a pouquinho, em fevereiro, deve entrar na pauta do Superior Tribunal de Justiça a ação indenizatória movida pelo ex-presidente Lula contra o ex-chefe da Força Tarefa da Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, por causa do episódio do PowerPoint, quando Dallagnol, sob os holofotes bem acesos da mídia brasileira, acusou Lula de ser o grande cabeça da “propinocracia” nacional, mas sem provas – só com slides e “convicção”.
Caso a mídia brasileira se interessasse por um PowerPoint à vera sobre a operação que destruiu política e economicamente o Brasil e produziu refestelo nos Estados Unidos da América – um PowerPoint revelador sobre aquele PowerPoint original -, não seria difícil montar um do “networking” de Sergio Moro na iniciativa privada, começando com…
Steve Spiegelhalter

Um bom ponto de partida seria a participação de Moro, há quase um ano, no dia 4 de fevereiro de 2021, em um painel sobre anticorrupção dentro da programação de uma conferência sobre crimes de colarinho branco promovida pela Associação Boston Bar, dos EUA.
Moro participou daquele painel na condição de “sócio-diretor” da Alvarez & Marsal, empresa que administra bela parte da massa falida gerada pela Lava Jato e na qual o ex-juiz havia ingressado poucos meses antes, depois de ser ministro da Justiça de Jair Bolsonaro. Não obstante, a Boston Bar apresentou Moro no prospecto como “judge Sergio Moro”, ao lado do outro representante da Alvarez & Marsal no evento, Steve Spiegelhalter.

Faz todo sentido. Faria ainda mais, entretanto, se Spiegelhalter, por seu turno, fosse apresentando como “Federal Prosecutor in the DoJ”. Steve Spiegelhalter é um ex-promotor para fraude e corrupção da unidade da Lei de Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA, na sigla em inglês) do Departamento de Justiça dos EUA (DoJ).
Spiegelhalter ainda ocupava o cargo no DoJ quando, no dia 19 de novembro de 2013, o então procurador-geral adjunto dos EUA, James M. Cole, palestrando na 30ª Conferência Internacional sobre a FCPA, deu um informe ao qual a imprensa brasileira até hoje deu pouca (ou nenhuma) atenção.
“No mês passado – disse Cole naquelas vésperas da deflagração da Lava Jato -, o chefe de nossa unidade FCPA ajudou a liderar uma sessão de treinamento de promotores na Cidade do México e, nesta semana, estamos participando de outra sessão de treinamento, no Brasil”.
Quando anunciou a contratação de Steve Spiegelhalter, apenas um mês e meio antes de contratar Sergio Moro, a Alvarez & Marsal participou o mercado que o doutor, antes de pular para a iniciativa privada, “treinou promotores estrangeiros e agentes da lei em técnicas para melhor promover as investigações de corrupção corporativa e individual”.
Em outro lugar, o próprio Spiegelhalter diz que, quando era da seção de fraudes do DoJ – a responsável pela “cooperação” com a Lava Jato -, “coordenou amplamente treinamentos anticorrupção e coletas de provas junto a reguladores estrangeiros, promotores, juízes e agentes da lei”.
Steve Spiegelhalter trabalhou no DoJ ao longo de quatro anos, de janeiro de 2010 a janeiro de 2014. Dois meses depois do fim do ciclo, em março de 2014, começava a Operação Lava Jato em Curitiba, com os cumprimentos de reguladores, promotores, um juiz e agentes da lei de língua nativa não-inglesa.
Dentre os mais de 600 “sócios-diretores” da Alvares & Marsal, coube justamente a um recém-contratado, precisamente a Steve Spiegelhalter, dar a Moro as boas-vindas à casa:
“Nos esforçamos para incorporar em nossas investigações a experiência exclusiva de nossos diretores administrativos em termos de regulamentação, processo e aplicação da lei – direcionando o foco no que é importante para os reguladores, aumentando a eficiência e reduzindo custos. A experiência de Sergio como ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil, somado à sua extensa bagagem em anticorrupção, crime do colarinho branco e lavagem de dinheiro, contribuirá para solucionar os problemas dos clientes”.



Há controvérsias sobre como o sobrenome alemão de Steve Spiegehalter poderia ser melhor vertido para o português. Uma tradução mais conservadora, literal, seria algo como “aquele que segura o espelho”. Mas há quem prefira “aquele que treinou promotores e juízes estrangeiros”.
James M. Koukios

Outro agente da seção de fraudes do DoJ na época de Steve Spiegelhalter era James M. Koukios. No DoJ, Koukios investigou corrupção doméstica e estrangeira e lavagem de dinheiro, entre outras linhas, mas sempre “trabalhando em estreita colaboração com autoridades estrangeiras e agências de inteligência”.
De 2010 a 2011, Koukios foi consultor especial do então diretor do FBI, Robert Mueller. Sua função? Atuar como ponte entre o FBI e outros setores do DoJ. A colaboração da Lava Jato com o FBI no caso Odebrecht resultou em um dos maiores acordos de leniência já assinados pelo DoJ com uma empresa não-americana, da ordem de US$ 2,6 bilhões.
Além de Sergio Moro e Steve Spiegelhalter, havia um terceiro elemento naquele painel sobre “Anticorrupção nas Américas” promovido pela Associação Boston Bar, e era James M. Koukios.

Desde abril de 2015 James Koukios é sócio-gerente da divisão FCPA + Anticorrupção Global do escritório internacional de advocacia Morrison & Foerster, cujo acrônimo, “MoFo”, é mesmo um parônimo do antigo titular da 13ª Vara Federal de Curitiba.
Mas isso é apenas uma curiosidade. O fato relevante é que um colega de Koukios na divisão FCPA + Anticorrupção Global MoFo foi “monitor de compliance” da Odebrecht, designado pelo DoJ, naquele recordista acordo de leniência da firma de Emílio e Marcelo com os EUA, na esteira da Operation Car Wash conduzida por judge Sergio Moro.
Charles ‘Chuck’ Duross

O “monitor de compliance” da Odebrecht nos EUA foi outro ex-agente da seção de fraudes do DoJ/FCPA que virou funcionário da MoFo. Chama-se Charles “Chuck” Duross, apelidado pelo The Washington Post de “Mr. FCPA” – a lei com que o governo americano não apenas aplicou multas recordes a empresas brasileiras, sempre na esteira da Lava Jato, mas também indicou, como o “Mr. FCPA” mostra, supervisores da reestruturação dessas empresas.
Já o “monitor de compliance” da Odebrecht no Brasil, no acordo de leniência assinado pela empresa com o Ministério Público Federal, foi o advogado e ex-diretor da CVM Otavio Yazbek. Em 2017, Yazbek respondeu assim a uma aparentemente estupefata repórter do G1:
Quem escolheu seu nome [para “monitor de compliance” da Odebrecht”] foi o Ministério Público Federal ou Departamento de Justiça americano?
Foram as autoridades aqui e nos EUA. O que aconteceu é que, no caso da Odebrecht, houve dois acordos de leniência, um com os EUA e outro com a Justiça brasileira. Já deveria ter no acordo norte-americano um monitor, então decidiu-se colocar essa figura no acordo brasileiro também.
Então você responde ao MPF e aos EUA?
Por conta das regras de cada país, é necessário que os monitores sejam locais. Então, eu passei por um processo de entrevista no DOJ (Departamento de Justiça dos EUA), em Washington, ao lado de outras pessoas que foram indicadas pela companhia, e fui selecionado nesse processo. Mas também tem um advogado americano [Charles Duross, do escritório Morrison Foerster, ex-funcionário do DOJ], que é o monitor da Odebrecht para fins do acordo norte-americano. Eu sou o suporte dele no Brasil, aprovado pelo DOJ, e aqui, sou o monitor aprovado pela força-tarefa da Lava Jato.
Oliver Armas

Aquela conferência da Associação Boston Bar que reuniu Sergio Moro, Steve Spiegelhalter e James Koukios num mesmo painel teve como um dos seus patrocinadores a empresa de auditoria e advocacia estadunidense Hogan Lovells.
Naquela outra conferência, a 30ª Conferência Internacional sobre a FCPA, realizada em Washington às vésperas da Lava Jato – aquela em que o então procurador-geral adjunto dos EUA anunciou para as vésperas da Lava Jato uma sessão de treinamento em FCPA de promotores no Brasil, depois de o DoJ fazer o mesmo no México -, um advogado da Hogan Lovells parecia algo animado, algo misterioso, quando deu o seu informe também:
“Se existem céticos quanto à determinação e os recursos do Brasil para executar essa lei, podem se preparar para mudar de ideia”.
Além do Brasil, Armas citou ainda a Colômbia, a Argentina e o México. Nos anos seguintes, a Hogan Lovells assinou contratos multimilionários com a Petrobras e a Eletrobras para auditorias internas e representações junto ao DoJ relacionadas à Lava Jato. Em julho de 2017, a firma foi contratada também para auditar os contratos da Petróleos Mexicanos (Pemex) com a Odebrecht – mais uma consequência da Lava Jato.
Patrick F. Stockes

O escritório de advocacia Gibson, Dunn & Crutcher, de Los Angeles, Califórnia, é um dos que mais atuam, e portanto dos que mais faturam, na esfera da FCPA. A peso de ouro, cerca de R$ 40 milhões, a Petrobras contratou em 2014 o Gibson, Dunn & Crutcher para apurar as denúncias da Lava Jato na companhia, a fim de ficar “em linha com as diretrizes do Departamento de Justiça Americano e da Securities Exchange Commission (SEC)”.
Em 2015, na moita, Deltan Dallagnol começou a negociar com a unidade FCPA do DoJ a devolução de parte da multa bilionária aplicada à Petrobras nos EUA. De um total de US$ 853 milhões devolvidos, R$ 2,5 bilhões, convertidos, foram parar numa conta da 13ª Vara a título de dízimo para que o Inquisidor Geral de Curitiba e os inquisidores assistentes do MPPR seguissem tocando o Santo Ofício da expiação.
Quando Dallagnol e DoJ abriram aquelas nebulosas tratativas, quem chefiava a unidade FCPA era Patrick F. Stokes. Naquele ano de 2015, Stokes chefiava as investigações contra a Petrobras nos EUA. Não muito depois de passar quatro dias em Curitiba para reuniões com Moro, Dallagnol, etc, Stokes jumped the counter, pulou o balcão, e passou a atender como sócio da… Gibson, Dunn & Crutcher.
F. Joseph Warin

Por mais que tenha atuado dos dois lados do balcão e poucos como ele, digamos, merecessem, o nome de Patrick Stokes não aparece no acordo de leniência assinado pela Petrobras com o DoJ e a SEC.
O acordo foi assinado no fim de setembro de 2018 e coube a outro fera do escritório de advocacia Gibson, Dunn & Crutcher assinar como advogado da firma a serviço da Petrobras: F. Joseph Warin, que um ano antes, em 2017, havia sido apelidado de “Titã em FCPA” pela Chambers and Partners, entidade que elabora rankings internacionais de advogados e escritórios de advocacia.

No dia 25 de março do ano passado, um certo sócio-diretor da Alvarez & Marsal teve um compromisso com o senhor F. Joseph Warin na 15ª edição de um convescote internacional chamado “Fraude, Rastreamento e Recuperação de Ativos”. O ex-juiz-em-chefe da Lava Jato e o titã da Gibson, Dunn & Crutcher pontificaram sobre “tendências anticorrupção”.

Se o “networking” de Moro nos EUA virasse um PowerPoint, com holofotes bem acesos em cima, podia até dar cana.