Perdi meus dentes no México como havia perdido tantas outras coisas no México, embora de vez em quando vozes amigas ou que pretendiam sê-lo me diziam ponha os dentes, Auxílio, a gente faz uma vaquinha para você comprar os postiços, Auxílio, eu sempre soube que aquela janela ia permanecer até o final em carne viva, e não dava muita bola para eles mas tampouco lhes dava uma resposta taxativamente negativa.
E a perda trouxe consigo um novo costume. A partir de então, quando eu falava ou quando ria, cobria com a palma da mão minha boca desdentada, gesto que conforme vim a saber não demorou a se tornar popular em alguns ambientes. Perdi meus dentes mas não perdi a discrição, a reserva, certo senso de elegância.
(…)
Lá está Auxílio, diziam os poetas, e ali estava eu, sentada à mesa de um romancista com delirium tremens ou de um jornalista suicida, rindo e falando, segredando e contando fuxicos, e ninguém podia dizer: vi a boca ferida da uruguaia, vi as gengivas nuas da única pessoa que ficou na Universidade quando os granadeiros entraram, em setembro de 1968. Podiam dizer: Auxílio fala como os conspiradores, aproximando a cabeça e cobrindo a boca. Podiam dizer: Auxílio fala olhando nos olhos do outro. Podiam dizer (e rir ao dizer): como é que Auxílio consegue, apesar de ter as mãos ocupadas com livros e copos de tequila, sempre levar a mão à boca de maneira tão espontânea e natural?, onde reside o segredo desse seu jogo de mãos prodigioso? O segredo, meus amigos, não penso levar para o túmulo (não há que levar nada para o túmulo). O segredo reside nos nervos. Nos nervos que se tensionam e se alongam para alcançar as beiras da sociabilidade e do amor. As beiras espantosamente afiadas da sociabilidade e do amor.
Perdi meus dentes no altar dos sacrifícios humanos.
(Trecho do livro Amuleto, de Roberto Bolaño).