Uma reportagem publicada no dia 3 de março pelo jornal alemão Die Zeit mostra que a campanha do governo de Volodymyr Zelensky pela criação de uma legião internacional de voluntários para defesa da Ucrânia contra a invasão russa vem acontecendo paralelamente ao recrutamento de combatentes estrangeiros pelo Batalhão Azov, a milícia que foi criada em 2014 para aterrorizar separatistas pró-Rússia no leste ucraniano e que mais tarde foi incorporada ao Exército da Ucrânia, mesmo ostentando símbolos do Terceiro Reich.
A Ucrânia é o único país do mundo que tem uma unidade militar ostensivamente neonazista: o Azov, que tem como símbolo o Wolfsangel, usado por pelo menos quatro divisões Waffen SS nazistas na Segunda Guerra Mundial, inclusive a temida 2ª Divisão “Das Reich”, responsável por uma miríade de crimes de guerra. No “patch” usado pelos membros do Azov, o Wolfsangel aparece sobreposto ao sol negro, outro símbolo nazista. Em pelo menos duas fotos já famosas da guerra na Ucrânia, aqui e aqui, militares ucranianos aparecem ostentando o sol negro na farda.

Paralelamente, porém, pode não ser bem a palavra. O Die Zeit descobriu indícios de que pode haver, na verdade, sobreposição organizacional entre o Batalhão Azov e a legião estrangeira oficial convocada por Zelensky.
O eixo Alemanha-Ucrânia, diz o Die Zeit, é uma das mais importantes conexões da cena da extrema-direita internacional. Segundo o jornal apurou, desde o início da guerra na Ucrânia há muita atividade nesta conexão para o recrutamento de neonazistas alemães como voluntários para lutar contra a Rússia. O que une tão especialmente neonazistas alemães e ucranianos é, por um lado, o sentimento de que a Alemanha foi “profanada” pelos russos na Segunda Guerra Mundial e, por outro, a ideia do “judeu-bolchevismo”, fortemente arraigada nos círculos neonazis da Ucrânia como herança do maior ídolo do nacionalismo extremista no país, Stepan Bandera, que colaborou com a Alemanha Nazista na Segunda Guerra.
Recentemente, quando os embaixadores da Polônia e de Israel na Ucrânia emitiram uma nota conjunta de repúdio às cada vez mais frequentes glorificações públicas a Stepan Bandera no país, o ministro das Relações Exteriores do governo Zelensky, Kuleba Dmytro – o mesmo que se reuniu nesta quinta-feira, 10, com seu contraparte russo, Sergei Lavrov -, respondeu que “preservar a memória nacional do povo ucraniano é uma das prioridades da política estatal da Ucrânia. Cada Estado determina e honra seus heróis de forma independente”.
Um relatório de setembro do ano passado do Instituto para Estudos Europeus, Russos e Eurasianos da Universidade George Washington, nos EUA, mostrou que pelo menos desde 2018 a Academia Nacional do Exército (NAA), principal instituição de ensino militar da Ucrânia e um importante centro de assistência militar ao país, está sob influência da Centuria, uma ordem autodenominada de “oficiais militares tradicionalistas” ligada ao Batalhão Azov e que tem como objetivos remodelar as forças armadas do país sob linhas ideológicas de extrema-direita, a fim de defender a “identidade cultural e étnica” dos povos europeus contra os “políticos e burocratas de Bruxelas”.
O relatório mostra como países da União Europeia como França e Reino Unido ajudaram a treinar extremistas ucranianos via NAA.
Olena Semenjaka
Um repórter do Die Zeit se passou por um interessado em atender ao chamado ucraniano a voluntários estrangeiros em canais do Telegram e tentou descobrir para onde eles estavam sendo direcionados. Ele foi encaminhado a três contatos na Ucrânia, todos ligados ao Batalhão Azov. Um deles informou que o quartel-general do Azov em Kiev é “o local oficial para reunião e treinamento” não apenas para o regimento neonazista, mas também para voluntários da legião internacional convocada por Zelensky.
Em reportagem publicada em janeiro de 2021, a revista Time descreveu assim o quartel-general do Batalhão Azov:
“O principal centro de recrutamento de Azov, conhecido como Cossack House, fica no centro de Kiev. É um prédio de tijolos de quatro andares emprestado pelo Ministério da Defesa da Ucrânia. No pátio, há um cinema e um clube de boxe. O último andar abriga um auditório e uma biblioteca repleta de livros de autores que apoiaram o fascismo alemão, como Ezra Pound e Martin Heidegger, ou cujas obras foram cooptadas pela propaganda nazista, como Friedrich Nietzsche e Ernst Jünger. No térreo há uma loja chamada Militant Zone, que vende roupas e chaveiros com suásticas estilizadas e outros produtos neonazistas”.
A coordenadora de divulgação internacional do Batalhão Azov, Olena Semenyaka, disse à Time, na época, que a missão do Azov era formar uma coalizão de grupos de extrema direita em todo o mundo ocidental, com o objetivo final de tomar o poder em toda a Europa.
Bastante conhecida na cena extremista internacional, “embaixadora” do Azov, Olena Semenyaka é assistente de um parlamentar do partido de Zelensky que, segundo o Die Zeit, está envolvido na organização da legião estrangeira oficial do governo da Ucrânia.
Contra muçulmanos, munição com banha de porco
No dia 26 de fevereiro, a república russa da Chechênia, de maioria muçulmana, anunciou que suas forças militares estavam de prontidão para participarem da invasão da Ucrânia. No dia seguinte, o perfil oficial da Guarda Nacional Ucraniana no Twitter compartilhou um vídeo em que um membro do Batalhão Azov besunta munição em banha de porco e diz: “queridos irmãos muçulmanos. Em nosso país, vocês não irão para o céu”.
‘Nossos melhores voluntários’
Nos últimos dias, o governo Zelensky lançou um website oficial de recrutamento de voluntários para a legião internacional. No site, lê-se que “A Ucrânia convoca cidadãos estrangeiros a participarem da sua luta por paz e democracia na Europa”. Há um passo a passo, desde o alistamento na embaixada ucraniana no país de origem até a chegada ao “ponto de coleta” na Ucrânia.
Segundo Zelensky, cerca de 15 mil estrangeiros já chegaram à Ucrânia para lutar contra os russos. No site, há um mapa-mundi interativo mostrando os países com maior número de visitantes, o que seria um índice dos interessados em participar da legião. Depois dos EUA, da Alemanha e da Polônia, vem o Brasil, com mais de 30 mil consultas.
Em 2014, quando o Azov foi integrado às Forças Armadas da Ucrânia, o então presidente do país, o golpista Petro Poroshenko, classificou os membros do batalhão neonazista como “nossos melhores voluntários”.
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