“Acho que eu não preciso de apresentação” diz o vampiro Lestat a Daniel Molloy, segundos antes de cravar seus caninos dilatados no pescoço do jornalista, na cena final do filme “Entrevista com o vampiro”, embalada ao som de “Simpathy for the devil”, dos Rolling Stones: “Ah, what’s puzzling you? Is the nature of my game”.

Na entrevista com o vampiro feita na noite desta segunda-feira, 22, no Jornal Nacional, ninguém cravou os dentes em ninguém, tampouco houve alguma estaca no coração, mas Daniel Bonner e Renata Molloy pareciam um tanto baralhados diante de quem não se pode arguir surpresa quanto à natureza do seu jogo.

Foi afetando pasmo, porém, que Bonner se comportou especialmente quando Jair Bolsonaro o acusou, o grande e probo jornalista, de apresentar uma fake news e de estimulá-lo a se tornar um ditador (porque foi questionado por Bonner sobre sua aliança com o Centrão).

“Eeeu?! Por favooor, candidato!”, chateou-se São William do Jardim Botânico, entre caras e bocas de impoluto.

Na entrevista, Bolsonaro acusou Bonner de contar uma fake news porque o entrevistador dissera que ele, Bolsonaro, havia xingado ministros do Supremo. Bonner insistiu: “o senhor chamou o ministro Alexandre de Moraes de canalha”. No que Bolsonaro rebateu: “você falou ‘ministros’. Foi um ministro específico”.

“A pergunta que eu lhe fiz – seguiu Bonner, tentando se recompor – foi qual era seu propósito ao xingar um ministro de canalha?”. Não foi. A pergunta original começou com “o senhor tem xingado ministros do Supremo Tribunal Federal…”.

Bonner caiu na armadilha, e a esta altura Carlos Bolsonaro já deve ter se debruçado sobre algum programa de edição para apresentar, nos Twitters e WhatsApps, um detalhe insignificante na boa pergunta inicial da entrevista como grande prova de que o pai é vítima de notícias falsas da “extrema imprensa”, até ao vivo no baluarte do telejornalismo nacional.

Em outro momento da entrevista, quando o tema era o escândalo dos pastores lobistas do MEC, Bolsonaro saiu-se com esta: “que escândalo, Bonner? Cadê o duto do dinheiro vazando ali?”. De fato: cadê o duto do dinheiro vazando ali como imagem de fundo do JN na, digamos, low profile cobertura da corrupção que marca o governo Bolsonaro, além do genocídio e de outras e múltiplas devastações?

Os dutos que abundaram anos atrás na cobertura estridente, absolutamente desvairada, lavajatista dos casos de corrupção durante os governos do PT. Cadê?

Talvez acusando a estocada, Bonner botou a viola no saco, dizendo a Bolsonaro que “o senhor tem todo direito de achar que não foi um escândalo”, e partiu para outro assunto.

O problema das expectativas frustradas sobre Jair Bolsonaro ser jantado por William Bonner e Renata Vasconcelos no JN não é a frustração; são as expectativas. Como Lestat e outros demônios, certa mídia também dispensa apresentações, de resto porque não é de hoje que comete o que é no mínimo, para ser bondoso, um equívoco monumental.

Este: aos democratas, esta mídia reserva o tratamento do inquisidor-geral de Aragão, como é líquido e certo que será visto na entrevista de Lula no JN na próxima quinta-feira, 25. Já diante do fascismo, o comportamento, inócuo, é de vestais, de redatores de algum quinto evangelho canônico.

Como se não bastasse, num caso como no outro, um pouco de jornalismo à vera, só para variar um pouco.

Apoie o Come Ananás com Google ou Pix

Fortaleça a imprensa democrática brasileira.

FAÇA UMA ASSINATURA de apoio ao jornalismo do Come Ananás. Mensal ou anual, via Google. Cancele quando quiser. Você também pode fazer uma contribuição única.

OU FAÇA UM PIX de apoio ao Come Ananás, de qualquer valor. Toda contribuição é importante. Esta é a chave Pix do Come Ananás:

pix@comeananas.news

* Assinantes antigos podem gerenciar suas assinaturas de apoio na área do assinante ou no portal do cliente da Stripe.

Deixe um comentário

Deixe um comentário