No primeiro ato da peça teatral “Que farei com este livro?”, de José Saramago, dois sujeitos estão debruçados sobre intrigas palacianas na Lisboa dos 1500. Um deles conjectura sobre a rainha ter plantado uma impostura em um pasquim de Coimbra, no que o outro responde que a soberana costuma dizer o que pensa em alto e bom som e que não precisaria que “mãos assalariadas o fizessem em imundos papéis”.

A rainha, talvez não.

Há precisamente dois anos, no dia 22 de agosto de 2020, a Folha de S.Paulo incorria em um dos mais imundos papéis a que o jornal já se prestou em sua existência centenária.

Naquele dia, algum assalariado da Folha cometeu, sob a rubrica da opinião do jornal, a ignomínia de nivelar, equiparar, corresponder, fundir mesmo o sobrenome de uma ex-presidenta da República que foi torturada na ditadura ao prenome da criatura que, no microfone da Câmara dos Deputados, dedicou seu voto pela deposição da vítima à memória de um notório torturador.

Falamos do famigerado editorial “Jair Rousseff”, no qual a Folha chega a dizer que Jair Bolsonaro teve o “azar de suceder à petista a Dilma Rousseff” (na verdade, Bolsonaro sucedeu a Michel Temer) e ao mesmo tempo a sorte de contar com o teto de gastos, que Bolsonaro ensaiava descumprir e isto sim merecia um enfático posicionamento do jornal, ao contrário do que mereceram a trama e a onda que levaram um fascista ao Palácio do Planalto.

Naquele agosto, enquanto a Folha brincava de inventar o mais impensável dos nomes civis, 30 mil brasileiros morreram de covid-19, com o conhecido “superávit” de cadáveres provocado pelo genocida de conhecido nome completo de batismo.

O título do editorial foi, inclusive, reproduzido na capa daquela edição do jornal:

No mesmo editorial, em outra insânia (ofuscada pelo título infame), a Folha chegou a pedir textualmente que programas de assistência social fossem “deixados de lado” no Brasil.

O editorial “Jair Rousseff” gerou fortes reações, nas próprias páginas da Folha, de Janio de Freitas (que lembrou os episódios da “ditabranda” e do empréstimo de veículos do jornal à repressão na ditadura), Cristina Serra, Conrado Hübner Mendes, Nelson Barbosa (com o artigo “A Folha da Faria Lima”) e uma firme resposta de bate-pronto da própria Dilma, intitulada “‘A Falha de S. Paulo’ ataca outra vez?”.

“A junção grosseira e falsificada é feita para forçar uma simetria que não existe e, por isto, ninguém tem direito de fazer, entre uma presidenta democrática e desenvolvimentista e um governante autoritário, de índole neofascista, sustentado pelos neoliberiais – no caso em questão, a Folha”, enunciou a ex-presidenta, na ocasião.

Pano rápido para uma imprensa estribada nos postulados da exploração do homem pelo homem, alérgica ao campo popular, aos direitos sociais, e que, portanto, transige (Bolsonaro), especula (“ditabranda”) e por vezes pactua (empréstimos de veículos para a ditadura) com as forças que pretendem reduzir a Democracia a pó.

Apoie o Come Ananás com Google ou Pix

Fortaleça a imprensa democrática brasileira.

FAÇA UMA ASSINATURA de apoio ao jornalismo do Come Ananás. Mensal ou anual, via Google. Cancele quando quiser. Você também pode fazer uma contribuição única.

OU FAÇA UM PIX de apoio ao Come Ananás, de qualquer valor. Toda contribuição é importante. Esta é a chave Pix do Come Ananás:

pix@comeananas.news

* Assinantes antigos podem gerenciar suas assinaturas de apoio na área do assinante ou no portal do cliente da Stripe.

Deixe um comentário

Deixe um comentário