Em suas instruções para entender quadros famosos, contidas em seu famoso “Histórias de Cronópios e de Famas”, Julio Cortázar não chegou a debruçar-se sobre Merry Dinner Party With Court Jester (“Jantar Alegre Com Bobo da Corte”), até porque nem é assim tão conhecido, este óleo sobre tela do pintor inglês Edgar Bundy.

Tivesse atentado para Merry Dinner Party With Court Jester, talvez Cortázar o descrevesse mais ou menos assim:

Vestido de verde e amarelo, golas brancas içadas para acima das orelhas – dada a ausência de pescoço -, mãos irrequietas, Michel Temer está prestes a pronunciar algo como “atraiçoá-lo-ei”, mas não chega a dizê-lo, porque irá se retorcer de rir ao notar que um bufão imita outro baloiçando a peruca de Luiz Fux na ponta de um espadim de Caxias. Observa a cena, em postura descontraída, bem relaxado, um personagem inconfundível. O bigode denuncia que é Merval Pereira no alegre jantar. Poderia ser Roberto D’Ávila, mas o artista, em seu gênio, sabe que importa menos o nome do medalhão e mais o conjunto da mídia corporativa.

O bobo com o pires político nas mãos

Cortázar tampouco considerou examinar a gravura medieval “Um Rei à Mesa Com Sua Família, Com Serviçais e Um Bobo”.

Nela, um velho suserano, usurpador do trono em tempos outroros, observa do centro da távola um jovem saltimbanco ridicularizar o atual ocupante do palácio. O olhar é blasé, mas paira no ar a iminência de uma gargalhada de escárnio. O fato de o bobo ocupar o lugar de honra da cabeceira indica que o sádico monarca retirado planejou o esquete com esmero, pretendendo viralizar por todo o feudo a imagem do idiota com o pires político nas mãos. Salta aos olhos a presença de mulheres à mesa – uma conquista do medievo em relação à terceira década do século XXI no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

Inferno, terra plana e ‘aleluia!’

Uma das três pinturas famosas esmiuçadas por Julio Cortázar em “Histórias de Cronópios e de Famas” é o Holbein “Retrato de Henrique VIII da Inglaterra”, que bem que parece, assombrosamente, um portrait do Brasil:

“O reino do homem é uma página de história, mas ele não sabe e brinca displicentemente com luvas e pequenos cervos. Este homem que está olhando você volta do inferno; afaste-se do quadro e o verá sorrir pouco a pouco, porque ele é oco, está recheado de ar, umas mãos secas o sustentam por trás, como uma figura do baralho quando começa a se erguer o castelo e tudo treme. E seu ensinamento é este: ‘não há terceira dimensão, a terra é plana, o homem rasteja. Aleluia!’. Talvez seja o diabo quem diz essas coisas, e talvez você acredite nelas porque quem as diz é um rei”.

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