O general Hamilton Mourão, vulto do projeto de volta dos militares ao poder no Brasil – não sem conspirações de caserna e seus desaguadouros, ou seja, intentos de golpes de estado -; precursor da insubordinação verde-oliva do século XXI; Hamilton Mourão fechou o ano e o caixão do governo Bolsonaro como na piada: o ladrão, que, flagrado com a galinha debaixo do braço, faz-se de desentendido: “tira essa bicho daqui!”.
“Lideranças que deveriam tranquilizar e unir a nação em torno de um projeto de País deixaram com que o silêncio ou o protagonismo inoportuno e deletério criasse um clima de caos e de desagregação social e de forma irresponsável deixaram que as Forças Armadas de todos os brasileiros pagassem a conta, para alguns por inação e para outros por fomentar um pretenso golpe”, disse Mourão em pronunciamentode rádio e TV no dia 31.
Como se ainda agorinha, com Lula eleito, Hamilton Mourão não tivesse se juntado ao coro de “intervenção federal”.
Mourão, o “mito”, e o mito do menos tosco que o “mito”…
O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, outro expoente do Partido Militar e que foi ministro-chefe da Secretaria de Governo de Jair Bolsonaro, “descobriu” um tanto tardiamente que Bolsonaro é um extremista e agora se refere ao ex-chefe como “fanfarrão”.
O general Paulo Chagas, outro notório – e outro impune – emulador do golpismo, agora vocifera contra “fanfarrões travestidos de patriotas” que se aglomeram na frente de quartéis e que se sentem “em condições de ensinar os Comandantes das FA a cumprir as suas missões baseados nos filminhos de guerra que assistiram”.
“Tenho a espada ao lado e o cavalo encilhado”, tuitou o general Paulo Chagas em abril de 2018, em apoio à ameaça feita, também via Twitter, a Rosa Weber pelo então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, na véspera do julgamento do Habeas Corpus preventivo de Lula.
Enquanto isso, o novo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, disse logo após tomar posse no cargo que concentração golpista na frente de quartel “é uma manifestação da democracia”; disse que tem amigos e parentes participando dessas concentrações e que as Forças Armadas brasileiras “sempre se posicionaram a favor da democracia”.
Mais de duas décadas de ditadura com cinco generais presidentes, por exemplo, é um mero detalhe que José Múcio Monteiro parece à vontade para ignorar. Sincerão, Múcio afirmou que não entendeu o convite de Lula para assumir a Defesa. Não foi o único.
Talvez daqui a alguns dias, talvez na transmissão do comando da Marinha, marcada para esta quinta-feira, 5, Múcio se anime para falar em “movimento” de 1964, ou “revolução”, quem sabe em “contragolpe”.
Por que não, se nesta segunda-feira, 2, o brigadeiro Marcelo Kanitz Damasceno assumiu o comando da Força Aérea Brasileira praticamente pedindo desculpas aos seus colegas de fardamento azul-aeronáutica por aceitar a indicação de Lula, sendo honrado, na cerimônia de transmissão do cargo, pela presença do general Villas Bôas, golpista-mor.
Quando, também após a posse, Múcio arrotou “espírito de colaboração”, lembrou inapelavelmente seu antecessor, general Paulo Sergio Nogueira de Oliveira, que com alegado “espírito colaborativo” para com o TSE associou-se, isto sim, ao bolsogolpismo em sua campanha de ataques ao sistema brasileiro de votação eletrônica.
Em breve o general Paulo Sergio aparecerá, também ele, com alguma epifania sobre Jair Bolsonaro. Dados os altos níveis hodiernos de covardia e desfaçatez, não será exatamente uma surpresa se aparecer advogando pelas urnas eletrônicas, no que será saudado por uma imprensa espantosamente desmemoriada como o mais novo milico legalista da praça, como um dia aconteceu com Villas Bôas, como acontece agora com Mourão e Santos Cruz.
Como dizia Eduardo Galeano, aqui, nos suis do mundo, memória e justiça são luxos exóticos.