Marcos Degaut e Jair Bolsonaro (Imagem: Reprodução/Twitter).

Há exatamente um mês, no último 20 de abril, o Diário Oficial da União saiu com os despachos 192 e 193 de 2022 publicados juntos, numa única mensagem, com encaminhamentos ao Senado Federal.

O despacho 192 tinha a indicação, para apreciação do Senado, do diplomata de carreira Juliano Féres Nascimento para exercer o cargo de representante do Brasil junto à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. O 193 submetia ao Senado o nome de Marcos Rosas Degaut Pontes para ser embaixador do Brasil nos Emirados Árabes Unidos. Degaut é desde 2019 secretário de Produtos de Defesa do Ministério da Defesa.

Entre os dias 10 e 12 de maio, num esforço concentrado convocado por Rodrigo Pacheco para sabatinar e votar indicações de autoridades feitas pelo Poder Executivo, foram aprovados na Comissão de Relações Exteriores ou no plenário do Senado os nomes de nada menos que 18 novos embaixadores do Brasil em países dos quatro cantos do mundo, do Panamá ao Japão, da Síria a Madagascar.

A indicação de Juliano Nascimento foi aprovada pela Comissão de Relações Exteriores do Senado no dia 11 de maio. A indicação de Marcos Degaut até hoje sequer foi lida por Pacheco no plenário do Senado. A leitura é o primeiro passo para que a indicação possa tramitar.

O travamento da indicação de Degaut não passou despercebido pela imprensa corporativa. A explicação, segundo esta imprensa, é que Degaut não é diplomata de carreira e, por isso, o corpo diplomático brasileiro estaria fazendo pressão no Congresso contra a indicação do seu nome para chefiar uma embaixada.

Tampouco passou despercebida pela imprensa brasileira, quando saiu a indicação de Marcos Degaut por Bolsonaro, a forte relação do indicado com o Edge Group, o conglomerado estatal emiradense do setor de Defesa que é a menina dos olhos do príncipe herdeiro de Abu Dhabi, Mohamed bin Zayed.

Mas talvez a esta mesma imprensa, que dá conta de um Rodrigo Pacheco finalmente firme na defesa da Democracia, contra o golpe; talvez a esta imprensa tenha faltado investigar alguma possível ligação entre a proximidade de Degaut com Edge Group e o travamento no Senado da apreciação do seu nome para chefiar a embaixada do Brasil nos Emirados Árabes.

O que é exatamente o Edge Group? Quem é Marcos Degaut?

O que é o Edge Group?

Em fevereiro, Come Ananás detalhou o que é o Edge Group no artigo “Defesa mantém ‘grupo de trabalho’ com donos de spyware cobiçado por gabinete do ódio”.

Recomendamos fortemente a leitura do artigo, mas vamos resumi-lo a seguir.

Naquela feita, Come Ananás mostrou que o Ministério da Defesa, então encabeçado por Braga Netto, mantém um grupo de trabalho com a empresa-mãe da DarkMatter, firma que ficou famosa por servir de fachada para um projeto de hackeamento, espionagem, identificação, difamação e repressão de opositores do regime autoritário dos Emirados Árabes – o “Projeto Raven”; para prejudicar adversários comerciais dos Emirados e para “ajudar” esforços persecutórios de opositores movidos por aliados estratégicos, como a Arábia Saudita. A empresa está sendo investigada pelo FBI por espionagem de cidadãos estadunidenses.

Em janeiro, uma reportagem de Jamil Chade e Lucas Valença no UOL revelou que um integrante do chamado “gabinete do ódio” do Palácio do Planalto teve tratativas com um representante da DarkMatter no dia 14 de novembro do ano passado, na feira aeroespacial Dubai AirShow, durante a última viagem internacional de Bolsonaro, aos Emirados Árabes, antes do giro Rússia-Hungria de fevereiro deste ano.

A empresa-mãe da DarkMatter é justamente o Edge Group; o fundador da DarkMatter, Faisal Al Bannai, é hoje presidente do Conselho de administração do Edge Group; quem coordena pelo lado brasileiro o grupo de trabalho da Defesa com o Edge Group parece ser o indicado a embaixador Marcos Degaut.

Na época, questionamos o Ministério da Defesa sobre a pauta do grupo de trabalho, mas não tivemos resposta. Posteriormente, no fim de março, o UOL afirmou, no último parágrafo de uma matéria outra vez de Jamil Chade e Lucas Valença, e precisamente sobre a ligação de Degaut com o Edge Group, que teve acesso a um documento segundo o qual o grupo vinha tratando, além de questões de armamento, de “sistemas de defesa cibernética”.

O lide estava no pé: as duas subsidiárias do Edge Group agrupadas na classificação “guerra eletrônica e tecnologias cibernéticas” são a Beacon Red e a Signal4L.

Vamos a elas, principalmente à Beacon Red.

Beacon Red, Signal4L e as ‘maneiras não convencionais’

Em novembro do ano passado, o site Intelligence Online, referência internacional no setor, publicou um artigo com o seguinte título: “Sucessora da DarkMatter, equipe de ataques cibernéticos de Mohamed bin Zayed, une-se à startup de ex-chefe do Mossad”.

“A Beacon Red, subsidiária de guerra híbrida da empresa de defesa dos Emirados Edge Group, anunciou recentemente uma parceria com a XM Cyber, ​​do ex-chefe do Mossad Tamir Pardo. As duas vão trabalhar no gerenciamento de vulnerabilidades”, diz o artigo.

Por partes:

  1. O Edge Group parece ter “descontinuado” a desgastada, famigerada e visada DarkMatter, substituindo-a pela Beacon Red. Em fevereiro, Come Ananás identificou sete brasileiros a serviço da Beacon Red. Um deles é “Executive Director” da empresa e é oriundo da DarkMatter, onde trabalhou entre 2015 e 2018. Outros três também trabalharam na DarkMatter e dois são ex-alunos do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Dos sete, três trabalham para a Beacon Red aqui, no Brasil.
  2. Sobre Mohamed bin Zayed, o mandachuva dos Emirados Árabes, dois pontos nos interessam: o primeiro é que ele é o “líder” internacional mais próximo de Jair Bolsonaro; o segundo é que, em janeiro de 2017, uma semana antes da posse de Donald Trump na Casa Branca, aconteceu um encontro secreto entre um emissário de Trump e um emissário de Vladimir Putin nas Ilhas Seychelles, no Oceano Índico. O encontro foi revelado em abril de 2017 pelo Washington Post. Quem organizou o encontro foi Mohamed bin Zayed. Além da interferência russa nas eleições de 2016 nos EUA, é amplamente documentada a ação de um “grupo Trump-Emirados” para a vitória de Trump naquele ano sobre Hillary Clinton. Come Ananás esmiuçou o “grupo Trump-Emirados” no artigo de janeiro “O Carluxogate, o ‘grupo Trump-Emirados’ e as armas de Bolsonaro para 2022”.
  3. Sobre ser a subsidiária de guerra híbrida do Edge Group, a Beacon Red não chega a negar, nem confirmar; apenas usa palavras mais amenas: “somos solucionadores de problemas que enfrentam questões de segurança nacional de maneiras não convencionais”, diz a empresa em seu site.

Alguém que assista distraído ao vídeo institucional da Beacon Red pode confundi-lo com o trailer do próximo 007, com um Bond de Kandoora e Gutrah sucedendo Daniel Craig:

Já a Signal4L é “uma combinação de soluções” como armas eletromagnéticas e de radiofrequência para “interferir, perturbar, interromper ou anular” comunicações inimigas.

Quem é Marcos Degaut?

Marcos Degaut é um bacharel em Direito com especialização em Inteligência na Escola Nacional de Inteligência que serviu a dois generais, Azevedo e Silva e Braga Netto, e agora serve a um terceiro, Paulo Sergio, no Ministério da Defesa; que serve fielmente a Jair Bolsonaro, propagando alertas sobre a “normalização da pedofilia” e dando azo a desconfianças sobre o TSE e as urnas eletrônicas, pretexto do autogolpe que se anuncia.

O secretário de Produtos de Defesa estava em Dubai no dia 14 de novembro de 2021 quando algum bolsonarista raiz tentou fazer negócio com a DarkMatter na Dubai AirShow. Desde o ano passado Degaut já viajou quatro vezes a serviço para os Emirados Árabes Unidos. Ou melhor: cinco. Adivinhe por onde anda Marcos Degaut nesta semana.

O travamento no Senado da indicação de Marcos Degaut para a embaixada do Brasil nos Emirados Árabes levou o site Defesanet a publicar um virulento artigo contra o chanceler Carlos França. O artigo acusa França de agir nos bastidores para que o nome de Degaut fosse excluído do esforço concentrado de sabatinas e aprovações de autoridades convocado por Rodrigo Pacheco dias atrás.

“O Itamaraty sabota as diretrizes do presidente Jair Bolsonaro”, diz o site, que tem ampla repercussão entre os meios militares; que há poucas semanas publicou um artigo do general Sergio Etchegoyen contra Luis Roberto Barroso; e que abriu uma seção chamada “contragolpe” (termo mais alusivo a 1964 do que as ordens do dia de 31 de março) para reunir informes sobre os ataques de Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal e notas hidrófobas dos clubes militares.

Seria Carlos França um democrata?

Marcos Degaut na embaixada dos Emirados Árabes em Brasília (imagem: Reprodução/Twitter).

Um general-embaixador

Além de Marcos Degaut, só duas outras pessoas de fora da carreira diplomática foram indicadas por Bolsonaro para chefiar embaixadas brasileiras. Ao contrário, até agora, de Degaut, os dois nomes passaram facilmente no Senado.

O primeiro é o do ex-ministro do TCU Raimundo Carreiro. Sua indicação, porém, é um caso à parte, porque foi fruto de um arranjo político feito justamente para tirá-lo do TCU e liberar uma vaga no tribunal de contas a ser preenchida por alguém mais coadunado com o governo Bolsonaro. Por esta vaga engalfinharam-se os senadores Antonio Anastasia, Fernando Bezerra e Katia Abreu, com Anastasia levando a melhor e marcando, há poucos dias, um dos gols da Alemanha no 7 a 1 com que o TCU aprovou a privatização da Eletrobrás.

O outro embaixador que não é diplomata é o general Gerson Menandro Garcia de Freitas, que desde 2020 é o chefe da embaixada do Brasil em Israel, justamente o outro país com que o governo Bolsonaro tem um escândalo de spyware, o Pegasus.

Há poucas semanas, o Comando do Exército Brasileiro assinou um “acordo de cooperação técnica” com uma empresa israelense de “cibersegurança” fundada por um ex-gerente de vendas do também israelense NSO Group, que é o desenvolvedor do famigerado Pegasus, o programa espião que Carlos Bolsonaro tentou comprar para a Polícia Federal.

O acordo com a CySource foi costurado pelo general Heber Portella, que é o militar indicado pelo ex-ministro da Defesa Braga Netto para integrar a Comissão de Transparência das Eleições (CTE) do TSE. Bolsonaro e os militares vêm usando a CTE para tentar arruinar a credibilidade das urnas eletrônicas.

Na foto da assinatura do acordo, o general-embaixador Gerson Menandro está de terno claro, bem em frente à bandeira da Pátria Amada, Brasil.

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