O coronel aviador reformado Francisco Dellamora deu à repórter Juliana Dal Piva uma das mais importantes informações dos últimos anos sobre as Forças Armadas brasileiras.
Esta: o grupo de WhatsApp onde militares de alta patente, da reserva e da ativa, conjuraram-se contra o resultado das eleições de 2022, o grupo “Notícias Brasil”, desativado às pressas no 8/1, esse grupo de discussão de ações golpistas existia, na verdade, desde 2016, ano do golpe contra Dilma Rousseff.
Foi no governo Dilma que a política voltou com mais força à caserna desde a ditadura, na esteira da grande e furiosa agitação nos altos círculos militares suscitada pela instalação da Comissão Nacional da Verdade. E a reação à CNV está na origem, foi arranque da decisão da caserna de voltar com força à política.
Nos últimos anos, este Come Ananás tem insistido em situar esta insatisfação nas cúpulas das três Forças com a instalação da CNV como elemento fulcral das origens da Grande Marcha Para trás do Brasil, ao lado e em conexão com a guinada à direita do fervedouro social de 2013 e com o alvoroço político criado pela operação Lava Jato.
Nesta esteira, em 2015 e 2016, nos anteriormentes do processo de impeachment contra Dilma, Michel Temer teve encontros com o então comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, e o à época chefe do Estado-Maior da Força, general Sérgio Etchegoyen. Esses encontros, que foram vários, estão mencionados no livro “A escolha”, do próprio Temer.
O filósofo “conservador” Denis Lerrer Rosenfild, que ajudou Temer com o livro, afirmou que os contatos do então vice-presidente com Villas Bôas e Etchegoyen eram decorrência do “desgaste da relação do PT com os militares em razão da Comissão Nacional da Verdade, do receio de que Dilma tentasse mudar a Lei de Anistia”.
Com Dilma afastada do cargo, um dos primeiros atos de Michel Temer como chefe de Estado interino foi ressuscitar a Secretaria de Segurança Institucional da Presidência da República, o GSI, que havia sido extinto por Dilma. O nomeado para a chefia do órgão, com status de ministro, foi um dos “fiadores” do impeachment, o general Etchegoyen.
Após o dia 17 de maio de 2017, o “Joesley Day”, com Michel Temer fragilizado por ser gravado orientando o empresário Joesley Batista a comprar o silêncio de Eduardo Cunha, entrou definitivamente em cena o Partido Militar, sob a liderança do outro “fiador” do golpe, o general Villas-Bôas.
Foi após o “Joesley Day” e seus desdobramentos que Michel Temer decretou intervenção federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro e, ao arrepio da Constituição, entregou o comando da intervenção a um militar, o general Braga Netto.
Foi após o “Joesley Day” e seus desdobramentos que pela primeira vez um militar, o general Luna e Silva, foi nomeado para chefiar o Ministério da Defesa, criado em 1999 justa e precisamente para as Forças Armadas responderem a comando civil.
Voltando a 2023 e à reportagem de Juliana Dal Piva: segundo o coronel golpista Francisco Dellamora, o grupo de WhatsApp “Notícias Brasil” foi criado durante o processo de impeachment de Dilma “para troca de informações entre militares para que os oficiais da reserva assessorassem os oficiais da ativa”.
Segundo a reportagem, faziam parte do grupo “integrantes do Estado-Maior, do Ministério da Defesa e militares da área de Informações da Aeronáutica”. O título da reportagem destaca a participação do general Augusto Heleno no grupo, mas talvez o nome de maior relevância entre os integrantes deste Estado-Maior Golpista no WhatsApp seja outro.
Trata-se dele, o general Sergio Etchegoyen, o filho do finado coronel Cyro Etchegoyen, que na ditadura foi chefe da seção de contrainformações do Centro de Informações do Exército (CIE) e que foi identificado no relatório final da Comissão Nacional da Verdade como autor de graves violações de Direitos Humanos.
O relatório da CNV cita que o notório torturador Paulo Malhães apontou o coronel Cyro Etchegoyen como o chefe da Casa da Morte, centro clandestino de cativeiro, tortura e execuções de presos políticos mantido pelo CIE na cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro, na década de 1970.
Documentos acessados pela CNV indicam que Cyro Etchegoyen teria chefiado também o grupo de militares da ditadura do Brasil que desembarcou no Chile logo após o golpe de Pinochet com a finalidade de interrogar presos políticos brasileiros e chilenos.
Quando ainda era vivo, Cyro Etchegoyen negou que o acompanhamento das atividades dos exilados fizesse parte das atribuições dos militares no exterior, mas admitiu ter estado no Chile às vésperas do golpe de Pinochet, dizendo o seguinte a pesquisadores, atualizando as definições de sadismo e desfaçatez: “fui visitar um menino que estava exilado, queria conversar, saber algumas coisas”.
Um tio de Sergio Etchegoyen, o general de brigada Leo Etchegoyen, que foi chefe do Estado-Maior do II Exército de 1979 a 1981, também foi identificado como repressor no relatório da CNV.
O próprio coronel Fernando Dellamora é filho do brigadeiro Carlos Affonso Dellamora, primeiro comandante do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa). O brigadeiro esteve envolvido na tortura e morte de Stuart Angel na Base Aérea do Galeão. Dellamora pai também foi identificado no relatório final da Comissão Nacional da Verdade como perpetrador de violações de Direitos Humanos na ditadura.
Projeto de Nação: vergonha
Quando era ministro-chefe do GSI, Sergio Etchegoyen tinha como secretário-executivo o general Valério Stumpf Trindade. Em 2021, quando chefiava o Comando Militar do Sul, o general Stumpf cooperou com a urdidura do “Projeto de Nação – O Brasil em 2035”, plano de poder dos militares, de ditadura reloaded, articulado pelos generais da reserva Villas Bôas e Luiz Eduardo Rocha Paiva.
O general Rocha Paiva é ex-dirigente do grupo Terrorismo Nunca Mais (Ternuma), ligado ao torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra. Jair Bolsonaro, quando assumiu a presidência da República, nomeou Rocha Paiva, um dos mais encarniçados opositores ao trabalho da CNV, para integrar a Comissão de Anistia, a fim de desmontá-la.
No 8/1, era o general Valério Stumpf o chefe do Estado-Maior do Exército, cargo para o qual foi nomeado por Jair Bolsonaro em maio de 2022, menos de um ano após Stumpf colaborar com o “Projeto de Nação”.
Há dois meses, em abril, Stumpf foi rendido no comando do EME, de onde o general saiu para a reserva e para a presidência da POUPEX, a previdência privada dos militares que emprestou seu estacionamento no Setor Militar Urbano, em Brasília, para reunião dos buchas de canhão que atacaram a Praça dos Três Poderes.
O velho chefe de Stumpf, Etchegoyen, foi ouvido por Juliana Dal Piva sobre o grupo de WhatsApp “Notícias Brasil”. Disse o general: “Eu me manifestei lá uma ou duas vezes. Eu fazia parte porque me botaram, aquelas coisas que tu fica com vergonha de sair, constrangido de sair”.
Então ficamos assim: alguns, se não muitos, sabe-se lá quantos altos oficiais das Forças Armadas brasileiras da reserva e da ativa não têm pudores para entrar em conspiratas golpistas, mas têm vergonha de sair.
Inveja do Chile, do Uruguai e da Argentina!!!! Só nós aguentando esses mamateiros que se acham no direito de nos achacar, além de serem sustentados por nós em suas depravações e lascívia! Pervertidos lesa pátria!