Glenn Greenwald (Foto: 2.2 W).

Glenn Greenwald foi citado pela extrema-direita na mais recente sessão da CPMI do 8/1, mas não para ser chamado jocosamente de “Verde Valdo”, como nos tempos da Vaza Jato.

No desespero para tentar rebater o testemunho do hacker Walter Delgatti Neto na CPMI, o senador e primogênito Flavio Bolsonaro fez passar no telão do plenário um vídeo recente no qual Greenwald aparece dizendo, a respeito da triangulação Delgatti-Zambelli-Bolsonaro para melar as eleições de 2022, que “tudo que Walter Delgatti fala, eu tenho dúvidas, porque eu já vi várias vezes que tem que ter evidências para acreditar”.

O vídeo de Greenwald exibido por Flávio Bolsonaro estava, claro, editado. A fala completa de Greenwald sobre Delgatti, numa entrevista ao UOL, foi esta:

“Edward Snowden era muito cuidadoso. Tudo que ele falava era muito confiável. O Walter Delgatti ele fala muito, ela fala tudo. Ele queria atenção, ele sempre queria atenção. Então, quando ele fala: ‘ah, a Carla Zambelli pediu para eu hackear a eleição’, e o Bolsonaro também foi envolvido nisso, e hackear o telefone do Alexandre de Moraes… Tudo o que Walter Delgatti fala, eu tenho dúvidas, porque eu já vi várias vezes que tem que ter evidências para acreditar. Mas obviamente para mim Walter Delgatti é um herói nacional. Ele arriscou sua liberdade para mostrar que havia corrupção dentro da Lava Jato”.

Nestes tempos de “pós-verdade” e de fofocas diuturnamente publicadas como fatos, é sempre digno de nota quando um jornalista demonstra preocupação com o rigor. A rigor, há que se ter sempre cuidado com o que dizem as fontes, porque fontes não são chafarizes – ao contrário dos chafarizes, nus nas praças, fontes têm, ou podem ter, interesses inconfessáveis estranhos ao interesse público.

Mas, no fim das contas, o que disse Glenn Greenwald foi mesmo o que Flávio Bolsonaro pescou: “não confiem na minha fonte”, o que não deixa de causar certa estranheza, tendo em vista que foi a fonte em cujo trabalho hacker, afinal, baseou-se todo o trabalho jornalístico da Vaza Jato, que foi, todo, perfeitamente comprovado.

“Tem que ter evidências”, ressaltou Glenn Greenwald, com razão. Há, porém, toda uma coleção de indícios materiais daquela triangulação Delgatti-Zambelli-Bolsonaro: desde a reunião de duas horas de Delgatti com Bolsonaro no Palácio da Alvorada até a invasão ao sistema do CNJ visando desacreditar a segurança do sistema brasileiro de votação eletrônica, passando pelos pagamentos ao hacker feitos por figuras ligadas a Carla Zambelli. José Múcio Monteiro confirmou que Delgatti esteve no Ministério da Defesa antes das eleições, conforme diz o hacker.

Desta coleção, só a confirmação de Múcio não era conhecida quando Greenwald deu a entrevista ao UOL, no dia 10 de agosto.

Além disso, há uma diferença, em matéria de avaliar publicar ou deixar de publicar, entre o que uma fonte tenta emplacar junto a um jornalista, em off, sem provas, e o que diz uma testemunha à Polícia Federal e publicamente a uma comissão parlamentar de inquérito, sob juramento e sob a espada das consequências de mentir.

Mesmo assim, Delgatti pode estar aumentando uns pontos, ou simplesmente mentindo sobre o que diz ter ouvido textualmente de Carla Zambelli e Jair Bolsonaro? Talvez. Está mentindo sobre a existência de pagamentos, reuniões e invasões? Absolutamente não. Justifica-se que se noticie a versão do hacker sobre os motivos desses pagamentos, reuniões e invasões já comprovados? Com certeza sim, da mesma forma que se tem noticiado a versão de Zambelli e Bolsonaro. Ou será que Bolsonaro e Zambelli são menos criminosos ou mais dignos de credibilidade que o hacker de Araraquara?

Citando o tuíte de Gleen Greenwald sobre o depoimento de Walter Delgatti à CPMI – este: “não tratar acusações sem provas como verdadeiras. Muitos na mídia estão ignorando isso hoje” -, escreve neste domingo, 20, na Folha, o Ombudsman José Henrique Mariante:

“Não é tarefa fácil um veículo de imprensa abster-se de escolher os passageiros. Greenwald é exemplo em sua inflexível defesa da liberdade de expressão, não importando o cheiro. Jornalismo não é ligar câmeras e microfones. É sobre quando ligar e desligar também”.

É bom lembrar que Glenn Greenwald não teve grandes preocupações com certezas, correções e exatidões quando, há três anos, deu a mão que segura a pena à extrema-direita estadunidense, virando habitué do programa na Fox News ancorado pelo maior mentiroso dos EUA, Tucker Carlson.

O Tucker Carlson Tonight foi o programa de TV que mais levou ao ar fake news de fraude na eleição de Joe Biden, cozinhando o caldo que derramaria na invasão do Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021. Depois, em seu próprio canal criado numa plataforma tida como “ponto de encontro da extrema-direita”, Greenwald passou a publicar vídeos sobre “as mentiras duradouras da mídia sobre o 6 de janeiro”.

Em janeiro agora, de 2023, no mesmo canal, Greenwald ligou a câmera e o microfone para o extremista brazuca Monark, que teve suas redes sociais bloqueadas pela justiça por espalhar fake news. No System Update – nome do programa de Greenwald -, o podcaster que se ressente da falta de um partido nazista no Brasil reclamou da “ditadura da toga” no país, nomeadamente de Alexandre de Moraes. Naquele dia, Monark agradeceu a Greenwald por “always helping me in this process”.

Em outro processo, o de um jornalista consagrado deslizando confortavelmente da sua posição de liberal radical para as bandas mais cavernosas da extrema-direita cascateira, seja a da matriz, seja a da colônia, em nome da liberdade de expressão; Neste outro processo, se não o mesmo, Flávio Bolsonaro não é o único da extrema-direita aldrabona do Brasil que vem recorrendo a Glenn Greenwald como parâmetro da verdade. Ao senador primogênito se juntam vários outros rebentos de Jair Bolsonaro, como Bia Kicis, Nikolas Ferreira, Revista Oeste

De Greenwald à Revista Oeste, passando por Flavio, Kicis e Nikolas, estão todos empenhados em provar que está em curso no Brasil uma “escalada de um regime despótico de censura”.

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