A semana começou com o maior jornal do país, a Folha de S.Paulo, dando em manchete nesta segunda-feira, 12, que, com apoio do TSE, “militares farão apuração paralela em 385 urnas” – uma ação, lembra o jornal, “inédita na história democrática brasileira”.
No mesmo dia, o TSE divulgou nota negando que tivesse feito com o Ministério da Defesa qualquer acordo para permitir às Forças Armadas “acesso diferenciado em tempo real aos dados enviados para a totalização”, e pontuando, algo blasé, que esses dados estarão disponíveis na internet “após o encerramento da votação para acesso amplo e irrestrito de todas as entidades fiscalizadoras e do público em geral”.
Ainda nesta segunda, na esteira dos acontecimentos, a imprensa brasileira informou que o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, irritou-se “com a ‘guerra de narrativas’ em torno do sistema eleitoral brasileiro”; com a notícia da “apuração paralela” pelos militares, e cancelou uma reunião que teria com o general-ministro Paulo Sergio Nogueira, da Defesa, nesta terça-feira, 13.
É bom lembrar que a reportagem da Folha cita, além de dois militares, uma fonte de dentro do TSE. De modo que, noves fora os posicionamentos oficiais, não se sabe ao certo se Alexandre de Moraes ficou irritado com a divulgação de um acordo inexistente ou com o vazamento de um acordo que de alguma maneira existiu.
Setores do campo democrático mais confiantes na melhor condução possível do processo eleitoral com Alexandre de Moraes à frente do TSE entendem que Moraes pretende cozinhar os militares e suas “sugestões” para o processo eleitoral em banho-maria até as eleições. Isto, obviamente, pressupõe a feitura de acordos, ainda que sob termos vagos, nem sempre publicizados e por mais que “Xandão”, supostamente, não tenha intenção de cumpri-los.
Recordemos que há menos de duas semanas, no dia 2 de setembro, o site Metrópoles informou que um general do Ministério da Defesa havia “confirmado” – não em off, mas em on – que um projeto-piloto de participação de eleitores reais no teste de integridade das urnas eletrônicas, realizado no dia da votação, deverá ser implementado já em 2022. O assessor especial de Comunicação não do TSE, mas da Defesa, mais um general, informou, como agora no caso da “apuração paralela”, até o número de urnas do projeto-piloto: 600.
Até hoje, porém, o TSE não avançou neste ponto, oficialmente, para além do vago terreno das possibilidades. Até hoje, não obstante, não houve desmentidos por parte do TSE sobre a reportagem do Metrópoles. A reunião desta terça entre Alexandre de Moraes e o general Paulo Sergio Nogueira, cancelada, seria precisamente para Moraes e Paulo Sergio discutirem o projeto-piloto.
É amplamente comentada a proximidade que Alexandre de Moraes tem, de longa data, com setores das Forças Armadas. Esta proximidade é vista como trunfo para que o TSE consiga, com Moraes, viabilizar eleições tranquilas. Estas boas relações, porém, podem ser relações perigosas. O trânsito do presidente do TSE entre os militares, e vice-versa, de onde se pode presumir alguma relação de confiança, contribui para a assim chamada “distensão” ou, ao cabo e ao soldado, ou melhor, ao fim e ao cabo, é terreno fértil para Moraes ser atraiçoado?
Saídas? Não. Impasses
Nesta segunda, o Ministério da Defesa também divulgou uma nota de esclarecimento sobre a reportagem da Folha de S.Paulo. Na nota, a Defesa nega que tenha chegado a solicitar ao TSE “acesso diferenciado em tempo real aos dados enviados para a totalização do pleito eleitoral pelos Tribunais Regionais Eleitorais”.
O ponto mais grave da reportagem da Folha, porém, é outro. Este, que não foi desmentido: com ou sem acesso privilegiado a dados brutos do TSE, os militares têm planos de no dia da eleição mobilizar 400 militares que vão participar da operação de Garantia da Votação e da Apuração (GVA), de logística e segurança, legítima e corriqueira, para, em ação extralegal, tirar fotos do QR Code dos boletins de urna pelo país afora e enviar as fotos para o Comando de Defesa Cibernética do Exército (ComDCiber), para fins de contabilização de votos, paralela à apuração da Justiça Eleitoral, no Complexo do Forte Marechal Rondon, em Brasília, a 25 quilômetros do prédio do TSE.
De resto, o projeto-piloto do teste de integridade com eleitores reais, que o general Paulo Sergio diz ser “essencial” porque só isso “reduziria a possibilidade de um código malicioso furtar-se ao teste”, este projeto-piloto subiu no telhado nesta segunda, a 20 dias das eleições, por causa do “mal estar” causado pela reportagem da Folha de S.Paulo sobre a “apuração paralela” dos militares e pelos subsequentes mentidos e desmentidos.
Este Come Ananás já ponderou que a intenção dos militares não é chegar no dia das eleições com saídas para a crise de suspeição sobre o sistema brasileiro de votação eletrônica, uma crise criada por eles próprios, em conluio com Jair Bolsonaro. Ao contrário: as Forças Armadas querem chegar ao dia do voto com o maior número possível de impasses bem ali, na “fiscalização” das operações eleitorais, onde não faltam condições para pretextos, a fim de ter na manga da farda uma chance de melar as eleições.
Quem, afinal, está cozinhando quem?
Redobrar as atenções
Nesta segunda, Jair Bolsonaro deu a seguinte declaração:
“Foram descobertas centenas de vulnerabilidades [nas urnas]. O nosso pessoal apresentou 12 sugestões. É uma luta para conseguir valer essas sugestões, que fomos convidados. E outra, não tem custo, nada para eles, tudo nossa parte. Amanhã, espero que seja a última reunião do ministro da Defesa, o ministro Paulo Sérgio, com o ministro Alexandre de Moraes. Obviamente, conversei com a Defesa, não posso negar isso daí, como ele deve se comportar neste momento. Espero que tudo seja acertado lá”.
“Tudo nossa parte”?
O “mal estar” instalado onde havia “distensão” após a circulação de informações truncadas sobre uma “apuração paralela” no Forte Marechal Rondon; a pesquisa Ipec divulgada também nesta segunda, confirmando a possibilidade de vitória de Lula no primeiro turno (“nem por isso – disse Janio de Freitas no domingo, na Folha, referindo-se a esta possibilidade – o jogo eleitoral está em vésperas seguras dos seus momentos culminantes”). Tudo isso deveria ser motivo para redobrar as atenções, e não para aliviadas desmobilizações.
O bolsonarismo, nomeadamente o bolsonarismo militar, já se lambuzou de dar sinais de que vai tentar bagunçar o coreto. Não subestimar o bolsonarismo militar, preparar-se para o que dele virá é condição para derrotá-lo. Sine qua non.