Por meio de editoral publicado em capa e alçado a manchete do seu site, a Folha de S.Paulo avisa neste domingo, 4, ao presidente Lula que entre a mais pálida inclusão de interesses do povo brasileiro na agenda econômica, de um lado, e as chantagens de Arthur Lira que podem inviabilizar o governo, de outro, o maior jornal do Brasil já fez a sua escolha.
Carregando a pena com vocabulário tarja preta – “assédio”, “mediocridade”, “sabotagem”, “desmandos” -, a Folha avisa a Lula que não aceita, não aceitará tentativas de reversão daquilo que o jornal chama de “avanços” legados pelo impeachment de Dilma Rousseff, que a Folha apoiou, e pelo bolsoguedismo, com o qual a Folha transigiu.
Sobre o arcabouço fiscal, a rigor um teto de gastos sem glúten alinhavado por Fernando Haddad, a Folha diz que ele é “débil”. Da Faria Lima à Barão de Limeira, eles querem mais – algo padrão golpismo, modelo fascismo.
Que o golpe e os adoradores de Pinochet tenham legado ao Brasil um genocídio e a volta do país ao mapa da fome, para ficar por aqui, não é nada que uma dose cavalar de cinismo não resolva, para ajudar a ignorar. E doses de cinismo não são problema para a Folha. Uma das mais fortes data do dia 2 de abril de 2016, quando, em editorial no qual pediu a renúncia de Dilma, o jornal afirmou candidamente que:
“Esta Folha continuará empenhando-se em publicar um resumo equilibrado dos fatos e um espectro plural de opiniões, mas passa a se incluir entre os que preferem a renúncia à deposição constitucional”.
Naquele mesmo editorial das vésperas da consumação do golpe de 2016, a Folha pediu também a defenestração da “nefasta figura de Eduardo Cunha” da presidência da Câmara. Só após, claro, Eduardo Cunha abrir as portas do inferno, acatando e encaminhando o pedido de impeachment de Reale Jr. e Janaina Paschoal; só após o processo de impeachment caminhar com as próprias pernas.
Agora, neste domingo, a Folha deixa mais claro impossível a disposição do jornal para seguir script semelhante: ou Lula volta atrás na “repetição de velhos erros” ou “que o Congresso Nacional, hoje mais protagonista, o faça”.
Não é possível, não para um Frias ou um Dávila, ignorar como o Congresso Nacional se tornou “hoje mais protagonista”. O caminho, aberto a picadas de vigarismo puro, de banditismo comum, foi o do orçamento secreto, maior esquema de corrupção da história do país, moeda de troca para o acobertamento de quatro anos de um governo de morte.
Hoje, Arthur Lira e uma bancada ruralista de 300 deputados tentam manter este “protagonismo”, ora convocado pela Folha contra Lula, à base de ameaças, coações e extorsões ao Poder Executivo. É este o lado que a Folha escolheu, a despeito de, no mesmo editorial, o jornal soltar ali um rojãozinho junino pelo “retorno à normalidade institucional” após os anos Bolsonaro; a despeito de o editorial levar o título “Democracia e economia”.
Testemunhem, aspirantes a jornalistas. É assim, com overdoses de cinismo, que se faz “um jornal a serviço do Brasil”.