“Deus nos mostrou um novo caminho”, disse o presidente do Partido Trabalhista Brasileiro, Roberto Jefferson, na convenção do PTB de novembro do ano passado que aprovou o novo estatuto do partido – o partido criado por Getúlio Vargas, enriquecido por João Goulart e surrupiado de Leonel Brizola por Golbery do Couto e Silva.

Chama atenção que o documento, francamente bolsonarista, classifica o golpe de 1964 contra o presidente João Goulart não como golpe, sequer como “movimento”, mas como “reação” dos militares às reformas democráticas de Jango – chamadas de “implantação do comunismo” – que instaurou no Brasil não uma Ditadura, sequer duas décadas de “regime militar”, mas sim, segundo o estatuto neopetebista, “15 anos de bipartidarismo”.

Está na página 16 do programa e estatuto do PTB de Roberto Jefferson:

“O PTB encontrava-se no comando do país e com grande bancada no Congresso Nacional quando os militares, reagindo ao que seria uma tentativa de implantação do comunismo no Brasil, assumem o controle da nação, extinguindo o PTB e demais partidos da época e iniciando um período de 15 anos de bipartidarismo”.

Em seguida, na mesma página, conta-se que:

“Em 1979, reorganiza-se a política nacional e o PTB é refundado por uma corrente política conservadora, fiel ao alinhamento histórico da sigla, enquanto outros segmentos, outrora trabalhistas, mas adeptos do socialismo e do comunismo, se reorganizam em outras legendas”.

Em 1980, o TSE entrega o PTB a Ivete Vargas, sobrinha-neta de Getúlio.

Por trás da assim chamada “corrente fiel” à história da sigla estava Golbery, chefe da Casa Civil nos turnos dos generais Geisel e Figueiredo à frente da Ditadura. “Consumou-se o esbulho”, disse, na época, Leonel Brizola, ao assistir ao seu ex-PTB, com o mesmo nome, ser transformado em linha auxiliar do PDS, a velha Arena – esta sim, a mesma coisa com um nome diferente.

Mais à frente, o documento justifica outro golpe, o de 2016 – e quem sabe, de antemão, os vindouros -, sob o mesmíssimo argumento da transigência com o de 64, ou seja, frustrar “a tentativa de implantação de uma ditadura socialista” no país:

“No início do século 21, o Brasil iniciou uma nova experiência política, que se revelou para o PTB – já no início – como um governo populista e socialista corrupto, com viés sindical, da qual o país ainda levaria mais de uma década para se libertar. Com isso, num atraso de três décadas em relação à queda do Muro de Berlim, frustrou-se finalmente a tentativa de implantação de uma ditadura socialista corrupta no Brasil”.

‘Criminalização da Cristofobia’

Brizola não viveu para assistir ao aviltamento do indicativo presente, quando o PTB é refundado uma vez mais, e agora sobre bases escancaradamente bolsonaristas, integralistas, fascistas. O novo programa e estatuto do partido parece mesmo um “copia e cola” do “Projeto Fênix”, o plano de governo apresentado em 2018 por Jair Bolsonaro.

O primeiríssimo item dos “aspectos políticos” da diretrizes listadas no novo estatuto do PTB é que “o cidadão tem o direito à legítima defesa, portanto deve ter direito à posse e porte de arma de fogo”. O segundo é que o PTB “não é um partido classista”, sendo o partido dos que trabalham, vá lá, mas também “dos que trabalham para gerar emprego”.

E o novo estatuto do PTB defende ainda a “criminalização da Cristofobia”; a “proibição da legalização do plantio, cultivo e venda da maconha no país” e que “o Estado poderá participar do ensino superior, mas terá de ser reembolsado pelos formados”.

Símbolos. Os símbolos…

O novo estatuto e programa do PTB também atualiza os símbolos do partido. Quanto às cores, saem o preto, o branco e o vermelho e chegam o verde e o amarelo não propriamente do Brasil, mas do “novo Brasil” – o do bolsonarismo. Vira símbolo do PTB, além do número 14 e do mapa do Brasil estilizado como uma vela, o “desenho de leão, leoa e filhotes, como alusão à família cristã, que representa o rugido da vida e da liberdade”.

Por falar em símbolos, a capa do novo estatuto do PTB estampa, sem pudores, o lema integralista “Deus, Pátria e Família”.

Na apresentação que redigiu para o documento, Roberto Jefferson evoca Deus, excomunga os “homens malignos”, repisa o armamentismo, diz que “governar é preservar o que existe” e cita o “pai do conservadorismo”:

“Em que pese a sedução pela construção da utopia, na produção do Estatuto ora oferecido não nos animou a criação de teorias abstratas sobre mundos perfeitos e imaginários, mas tão somente a certeza de que ‘governar é preservar o que existe’, é defender os direitos dos cidadãos à vida, à liberdade, e à propriedade, à autodefesa”.

“É desta forma que o Partido Trabalhista Brasileiro, no ano em que completa 76 anos, continua contribuindo para as gerações futuras. Em sua feitura, pedimos a Deus que nos concedesse humildade e prudência e clareasse nossa jornada e nossas palavras. Pela fé, oremos que Ele atendeu o nosso apelo, afinal, ‘o poder dos homens malignos não é um mero detalhe’, ensinou Edmund Burke, o pai do conservadorismo moderno”.

Brizola estava enganado. Agora sim é que se consumou o esbulho.

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