A exemplo do que aconteceu nas últimas semanas no Distrito Federal, Goiás, Alagoas, Rondônia e Amazonas, o legislativo do estado de Santa Catarina, o mais bolsonarista do Brasil, pode em breve aprovar o porte de arma de fogo para Colecionadores, Atiradores Esportivos e Caçadores – os CACs. Além disso, Santa Catarina pode ser o primeiro estado brasileiro a ter uma “rota turística do tiro”.
Hoje, os CACs são mais de meio milhão de pessoas com o dedo no gatilho no Brasil. Proporcionalmente, Santa Catarina é a unidade da federação com mais deles. Segundo levantamento do Poder 360, o estado tem 221 clubes de tiro. São 30 clubes de tiro por milhão de habitantes, 21 a mais do que a média nacional.
Santa Catarina tem dois projetos de lei, que tramitam de forma conjunta, para liberar o porte de arma para esta “categoria”. Os autores dos PLs são os deputados Jessé Lopes e Sargento Lima.


A relatora dos dois PLs na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (Alesc) é a deputada estadual Ana Campagnolo, que ficou famosa em 2018 por incentivar estudantes a filmarem, para fins de “denúncia”, aulas de “professores doutrinadores”.

Os dois proponentes e a relatora dos PLs são bolsonaristas e do PL de Jair Bolsonaro.
Em fevereiro, este Come Ananás mostrou com exclusividade que, dada a dificuldade para emplacar o porte para CACs no Congresso Nacional, deputados estaduais e distritais bolsonaristas vinham apresentando projetos de lei em suas respectivas assembleias legislativas visando emplacar o porte de unidade em unidade da federação, numa ação coordenada em pelo menos 15 estados e levada a cabo com suporte do deputado federal Eduardo Bolsonaro e do Movimento Pró-Armas.
Foi num evento do Movimento Pró-Armas que o ex-secretário de Fomento à Cultura André Porciúncula, quando ainda no cargo, prometeu a atiradores R$ 1 bilhão em recursos da Lei Rouanet para promover o armamentismo no Brasil: “pela primeira vez vamos colocar dinheiro da Rouanet em eventos de arma de fogo, vai ser super bacana isso”.
Os textos dos projetos de lei estaduais de porte para CACs apresentados por deputados bolsonaristas são praticamente idênticos tanto em seus preâmbulos quanto em seus artigos e justificativas, variando apenas os nomes dos estados e, nas justificativas, alguma embromação de cunho regional.
Semanas depois da reportagem de Come Ananás, o porte de arma para CACs foi aprovado na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) e já foi sancionado pelo governador Ibaneis Rocha. Há poucos dias, um dos donos de um clube de tiro do DF publicou numa rede social uma dúvida cruel: em vídeo mostrando três pistolas diferentes perfiladas numa bancada, o atirador mostrava-se indeciso sobre qual delas enfiaria na cintura para ir à esquina comprar pão.
O irresoluto é sócio do clube de tiro denunciado em reportagem do jornalista Gabriel Luiz, da Rede Globo, por exportar balas perdidas para propriedades vizinhas. Três dias após a reportagem, Gabriel Luiz sofreu um atentato em Brasília. A Polícia Civil, porém, praticamente encerrou o caso como tentativa de latrocínio menos de 24 horas após o repórter levar nada menos que 10 facadas na porta do prédio onde mora, numa área de baixo índice de criminalidade da Capital Federal.
A insólita audiência pública na Alesc
Tendo em vista que no “Novo Brasil” é tanto maior a chance de sucesso das mais insólitas empreitadas quanto mais insólitos forem os envolvidos, e a julgar pelos tipos que participaram de uma audiência pública na Alesc sobre porte de arma para CACs, em breve os CACs catarinenses também terão dores de cabeça para decidir se vão de Taurus, Glock ou Beretta enfrentar a fila do pão.
A audiência pública na Alesc sobre porte de arma para CACs aconteceu na última segunda-feira, 18. Reluziram na sessão as seguintes figuras, além dos deputado Sargento Lima e Ana Campagnolo e do fundador e presidente do Pró-Armas, Marcos Pollon:
O caminhoneiro bolsonarista Zé Trovão.

A “Antifeminista do Fuzil” Julia Zanatta, também do PL de Bolsonaro.

Gerson Fior, coordenador do Pró-Armas em Santa Catarina. Formado instrutor de tiro no clube .38, onde Carlos Bolsonaro e Adélio Bispo já deram os seus pipocos, Fior descobriu assim, “em grande estilo”, o sexo do seu bebê:
O deputado estadual e cantor evangélico Kennedy Nunes, que no ano passado mostrou uma pistola 9mm durante uma entrevista a uma rádio, quando disse frequentar armado as dependências da Alesc.
O senador Jorginho Mello, do PL de Jair Bolsonaro.

O ponto alto da audiência pública foi quando o padre armamentista Edivaldo Ferreira, da diocese de Joinville, contou a história de São Gabriel Possenti, que no século XIX teria amedrontado os invasores da sua cidade na Itália acertando um teco numa lagartixa:




Uma alusão
Quase todos os personagens mais notórios da audiência pública na Alesc sobre o porte de arma para CACs já tinham marcado presença no mesmo auditório menos de uma semana antes, no dia 12 de abril, para outra audiência pública, esta sobre outro projeto de lei do deputado Sargento Lima, para a criação de uma “Rota Turística do Tiro” em Santa Catarina.
Mas a audiência pública da Rota do Tiro contou com alguns personagens diferentes, como o rei e a rainha dos atiradores.

De acordo com o projeto de lei, o circuito turístico do tiro de Santa Catarina iria do município de Dionísio Cerqueira, na extrema-direita, desculpe, no extremo oeste do estado, até a Joinville do padre Edivaldo Ferreira, no norte catarinense, integrando ao todo 11 municípios.
No palco do auditório, durante a audiência, havia duas faixas estendidas: uma com o slogan do Movimento Pró-Armas e a outra, digamos, algo “alusiva ao 31 de março de 1964”:

