É mesmo dura a vida de quem tenta encontrar exemplos de contribuições positivas dos militares à República brasileira.

O Estadão, por exemplo, em seu estapafúrdio editorial intitulado “O respeito dos militares pela Democracia”, publicado neste domingo, 29, precisou voltar quase 80 anos na História para citar um: a criação do CNPq, em 1946, por sugestão do vice-almirante de esquadra Álvaro Alberto da Motta e Silva.

Pudera: depois disso, encontra-se apenas golpismo, expurgos de militares democratas, terrorismo de Estado, sequestros, torturas, assassinatos, ocultação de cadáveres, censura, fabricação de cloroquina, genocídio indígena, etc, etc, etc.

O nome do vice-almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva, nascido em 1889, foi o único de um oficial de alta patente das Forças Armadas que o editorialista do Estadão conseguiu lembrar para tentar provar, estrambólico, que o “padrão militar” no Brasil não é o padrão Pazuello.

Pano rápido.

A tônica do editorial do Estadão é que “a contaminação de alguns militares com o bolsonarismo não foi fenômeno generalizado” e que “as Forças Armadas têm mostrado um firme compromisso com a Constituição de 1988”.

Só a ideia inconstitucional de “poder moderador”, que grassa no comando das Forças Armadas, bastaria para demonstrar o absurdo da última afirmação.

Além disso, o Estadão tem alguns dos repórteres brasileiros mais bem informados sobre a caserna, como o sério e competente Marcelo Godoy. De modo que a direção do jornal sabe muito bem que, na melhor das hipóteses, o editorial pró-milicos deste domingo tem um erro de origem.

Este: Bolsonaro e o bolsonarismo não ascenderam à revelia das Forças Armadas, mas foram produtos do projeto dos militares de retorno ao centro da cena política nacional.

Projeto este traçado quando da instalação da Comissão Nacional da Verdade; encorpado após o escândalo Joesley Batista, quando o governo Temer passou a ser tutelado pelo Forte Apache; escancarado pela ameaça do general Villas Bôas ao Supremo, diante da possibilidade de Lula ser candidato em 2018; deslanchado com a candidatura e o governo de Bolsonaro, quando a administração pública federal teve mais militares do que a própria ditadura; e, digamos, “descontinuado” com a eleição de Lula em 2022.

A tentativa de golpe – de golpe militar – do 8/1 não pode ser compreendida à margem desta linha do tempo, mas o editorial do Estadão fala apenas de “conivência de alguns militares com os atos de 8 de janeiro”.

O editorial deste domingo do Estadão dialoga com a capa do Estadão do dia 3 de abril de 1964, uma sexta-feira pós-golpe militar. Esta:

O tempo não para, e o editorial deste domingo do Estadão afirma que “não correspondem aos fatos” as avaliações de que as instituições militares atuam à margem dos limites constitucionais e de que as Forças Armadas precisam de reformas generalizadas. Estadão, são suas ideias (sobre os milicos) que não correspondem aos fatos.

E não é de hoje.

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