Variação do ronrom de que “as Forças Armadas, como instituição, não entraram em plano de golpe”, está na praça – e não é a dos Cristais, mas a atacada, a dos Três Poderes, além da praça pública da mídia -, a conversa de que os comandos militares se mantiveram em silêncio entre o segundo turno das eleições de 2022 e o 8 de janeiro de 2023, esvaziando a articulação golpista.
Tudo bem que a cultura da sociedade de consumo envolve sobretudo o esquecimento, não o aprendizado, como gostava de dizer o velho Bauman, mas como é possível esquecer, com menos de um ano do crime, a nota conjunta das Forças Armadas intitulada “Às instituições e ao Povo Brasileiro”, divulgada no site do Exército no dia 11 de novembro do ano passado e pela qual os comandos militares falaram, sim, e em alto e bom som?
Aquela nota dialogava de maneira evidente com os acampamentos na frente dos quartéis, cuja pauta central ineludível era uma intervenção militar contra a eleição de Lula. Em primeiro lugar, a nota começava dizendo que as Forças Armadas são “moderadoras nos mais importantes momentos da nossa história”, açulando nas turbas os delírios sobre o artigo 142 da Constituição e o “Poder Moderador”.
Depois, a nota derretia-se e derramava-se em apoio aos acampamentos ao dizer que deveriam ser assegurados os direitos à livre manifestação do pensamento e à liberdade de reunião, ainda que o caso fosse de gente, muita gente reunida para incitar os crimes de golpe de Estado (pena de quatro a 12 anos de prisão), abolição violenta do Estado Democrático de Direito (quatro a oito anos) e promover animosidade das Forças Armadas contra os poderes constitucionais (três a seis meses).
Por fim, em sua parte final, a nota conjunta das Forças Armadas parecia uma coletânea dos cartazes e faixas contra Alexandre de Moraes, STF e TSE exibidos na frente do QG do Exército, falando, a nota, em “ações condenáveis de indivíduos ou entidades que alimentem a desarmonia na sociedade”; na necessidade de “atenção às demandas legais e legítimas da população”; na “importância da independência entre os poderes”; e em “corrigir descaminhos autocráticos”.
Verdadeiro correio do amor com os patriotas acampados no lado de fora dos muros dos quartéis, a nota “Às Instituições e ao Povo Brasileiro” foi divulgada apenas dois dias após o Ministério da Defesa jogar para a plateia o relatório da “auditoria” das eleições feita pelos militares. O relatório não provou fraude, mas reafirmou suspeitas sobre a lisura do processo eleitoral brasileiro.
A nota “Às Instituições e ao Povo Brasileiro” saiu apenas um dia depois de o Exército soltar outra nota, esta desmentindo notícias publicadas na imprensa de que o Comando do Exército era contra o relatório velhaco. No mesmo dia, a conta do Exército no Twitter repercutiu esclarecimento do Ministério da Defesa de que o “relatório das Forças Armadas não excluiu a possibilidade de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas”.


Com todo este combustível, quatro dias após a divulgação da nota “Às Instituições e ao Povo Brasileiro”, no feriado de 15 de novembro, 100 mil pessoas pediam golpe de Estado na Praça dos Cristais, na frente do QG do Exército, em Brasília, no auge dos atos golpistas na frente dos quartéis. Só agora, no fim de setembro, o Brasil ficou sabendo, por matéria do repórter Cézar Feitoza, na Folha, que a “nota militar incendiou golpistas após ser omitida do Alto Comando do Exército”, onde, segundo consta, havia algum dissenso legalista.
Sobre a participação das Forças Armadas na conspiração contra a eleição de Lula, na construção do 8/1, o ministro da Defesa do governo Lula, José Múcio Monteiro, vem dizendo que “é preciso fulanizar para tomar providências”, porque às Forças Armadas enquanto instituições, segundo Múcio, “devemos a manutenção da Democracia”.
Pois bem. Quem assinou a nota “Às Instituições e ao Povo Brasileiro” foram o fulano Marco Antonio Freire Gomes, então comandante do Exército; beltrano Almir Garnier Santos, então comandante da Marinha; e sicrano Carlos de Almeida Baptista Junior, à época comandante da Força Aérea Brasileira.
Haverá providências contra fulano, beltrano e sicrano que comandavam as Forças Armadas do Brasil? Ou haverá anistia?
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