Jair Bolsonaro durante cerimônia de Inauguração da Ferrovia Norte-Sul (Foto: Alan Santos/PR).

Em junho, a CPI da Covid-19 mudou o foco do “negacionismo” para o “negocionismo” – da cloroquina para a corrupção com remédios e vacinas no seio do governo Bolsonaro, apertando-lhe o cerco. O vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues, dizia já no dia 6 daquele mês que “a negativa da vacina foi motivada por dinheiro, por corrupção”.

Naquele exato momento, – no dia seguinte à fala de Randolfe – a Polícia Federal pediu ao STF a prorrogação de um inquérito que investiga se anos atrás o relator da CPI, Renan Calheiros, recebeu propina para beneficiar um empresário do setor portuário.

Dias depois – e em mais um dia seguinte, desta vez à revelação da Folha de pressão “atípica” no Ministério da Saúde em prol da Covaxin -, a empresa Rumo, maior operadora logística com base ferroviária da América Latina, encaminhou à PF uma lista de pagamentos “atípicos” para ser anexada ao inquérito contra Renan. A lista foi entregue pela Rumo à PF por beneficência, sem que lhe fosse solicitado.

Atípico também.

Esses pagamentos “atípicos” teriam sido feitos pela América Latina Logística (ALL) entre 2013 e 2014 a uma empresa ligada a um lobista que é ligado a outro lobista que seria ligado ao MDB. Os pagamentos datam, nas palavras da Rumo à PF, de “período anterior à assunção de sua atual gestão”. É que a ALL foi incorporada pela Rumo em 2015. A Rumo, por seu turno, é o braço logístico do grupo Cosan.

O presidente do Conselho de Administração do Grupo Cosan é o bolsonarista Rubens Ometto Silveira Mello. Rubens Ometto foi nada menos do que o maior doador individual a candidatos nas eleições 2018. Ele foi o maior doador das campanhas, por exemplo, de Ricardo Barros e Pedro Lupion, chegando junto com a bagatela de R$ 200 mil para cada um desses então candidatos a deputado federal pelo Paraná – o primeiro à reeleição, o segundo conquistaria seu primeiro mandato.

Ometto deu mais dinheiro para a campanha de Ricardo Barros do que o próprio diretório paranaense do PP. Barros e Pedro Lupion são hoje, respectivamente, líder e vice-líder do governo Bolsonaro na Câmara, e são, os dois, os responsáveis pela indicação do pivô do “negocionismo”, Roberto Ferreira Dias, para o Departamento de Logística do Ministério da Saúde.

O presidente do Conselho da Cosan fez uma transferência eletrônica de R$ 200 mil também para a campanha de Onyx Lorenzoni, que, aliás, é padrinho de casamento de Pedro Lupion. Afilhado de Lorenzoni, Pedro é filho de Abelardo Lupion, ex-chefe de Roberto Dias na Secretaria de Infraestrutura e Logística do Paraná no governo Cida Borghetti, esposa de Ricardo Barros.

A quebra do sigilo telefônico de Roberto Dias mostrou uma ligação entre ele e Abelardo Lupion no último 25 de fevereiro por volta das 18 horas, apenas minutos antes da reunião no restaurante Vasto, em Brasília, onde Dias teria pedido a Dominghetti propina de um dólar por dose da vacina contra a covid-19 que o cabo mineiro dizia ter para vender.

Abelardo foi assessor de Onyx quando o Falsificador Geral da República foi ministro da Casa Civil de Bolsonaro.

Acidentes de percurso

A Cosan de Rubens Ometto tem sido a grande vencedora dos leilões do setor de logística feitos no governo Bolsonaro. As empresas do grupo Cosan já arremataram seis terminais portuários e a Ferrovia Norte-Sul, esta por meio da Rumo.

No dia 31 de julho de 2019, Bolsonaro, Tarcísio, Onyx e Ometto estiveram todos juntos na cidade de Anápolis, em Goiás, para a assinatura do contrato da Ferrovia Norte-Sul. Naquele dia, naquela solenidade, Bolsonaro disse que a ferrovia seria uma maravilha porque “diminuirá acidentes nas estradas”

No ano passado, o Ministério da Infra-Estrutura aprovou o polêmico novo Plano de Desenvolvimento e Zoneamento Portuário do Porto de Santos, projeto que beneficia a Rumo/Cosan.

Em 2019, a Rumo conseguiu do TCU aval para renovação antecipada, junto à ANT, da concessão da Malha Paulista até 2058. A Malha Paulista liga o Porto de Santos a fronteiras agrícolas. Em 2018, a ministra da Agricultura de Bolsonaro, Tereza Cristina, recebeu doação de R$ 100 mil de Marcos Lutz, então CEO da Cosan, para sua candidatura a deputada federal pelo Mato Grosso do Sul. Lutz foi o segundo maior doador individual da campanha de Tereza Cristina. Rubens Ometto foi o terceiro, injetando R$ 50 mil.

A autorização do TCU para a renovação de 30 anos da concessão da Malha Paulista à Cosan foi dada mesmo com parecer contrário da promotoria da casa, e o relator do processo, ministro Augusto Nardes, reuniu-se com Bolsonaro e Tarcísio de Freitas na véspera de a autorização sair do forno.

Augusto Nardes foi o mesmo ministro do TCU que em 2018 relatou um processo de medida cautelar contra o contrato do Ministério da Saúde com a VTCLog/Voetur que agora é alvo da CPI da covid-19. Apesar do alerta de fraude na licitação apontada na época pelos Correios, como este Come Ananás revelou nesta sexta-feira, 23, Nardes recomendou acórdão negando a cautelar e ainda elogiou a iniciativa do ministério de terceirizar toda a logística de medicamentos e insumos para o SUS.

Em abril, o jornal Globo informou que Nardes atuou como “bombeiro” do governo ao pedir vistas de um processo no TCU sobre as ações do Ministério da Saúde no combate à epidemia.

‘Pode contar com a gente’

“Só um minutinho”, diria, neste momento, Omar Aziz.

A Rumo é uma empresa de um grupo econômico que tem na presidência do conselho um bolsonarista que financiou as campanhas eleitorais de Ricardo Barros, Pedro Lupion e Onyx Lorenzoni, ou seja, boa parte dos civis envolvidos no “vacinoduto” civil-militar investigado pela CPI.

A Rumo/Cosan tem uma miríade de interesses ostensivamente atendidos pelo governo mortífero de turno, a ponto de Rubens Ometto já ter sido epitetado como “empresário preferido de Tarcísio de Freitas”. Ometto foi um dos 20 empresários brasileiros que ovacionaram o genocida em um jantar em abril.

Aí, nesta toada, a Rumo oferece espontaneamente à PF, “diante das novas informações que tomaram o noticiário”, documentos para um inquérito contra o relator da CPI da covid-19, principal figura de uma CPI com perspectivas de complicar um governo mortífero para o país, mas “uma mãe” para o Grupo Cosan.

Em maio do ano passado, o Ministério da Infraestrutura promoveu uma live comemorativa sobre a renovação da concessão da Malha Paulista. Participaram Tarcísio de Freitas; Tereza Cristina; o diretor da ANTT, Alexandre Porto; Marcos Lutz, que estava na presidência do conselho da Rumo, e o sucessor de Lutz como CEO da empresa, Beto Abreu.

Atrás de Marcos Lutz e Beto Abreu aparecia o slogan “Pode contar com a gente”.

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