Em outubro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro desistiu de nomear seu filho do meio, Eduardo, para chefiar a Embaixada do Brasil nos EUA, após perceber que o nome, ou melhor, o número do 03 não seria aprovado no Senado.

Porém, hoje – e não é só de hoje – o deputado federal Eduardo Bolsonaro encabeça um serviço consular não registrado no Itamaraty: o de emissário do pai nos clubes de tiro e caça que se espalham pelo Brasil como um rastilho de pólvora entre os paióis da “polarização”, cordas esticadas, ultimatos do presidente ao Legislativo e ao Judiciário e avisos de golpe – em meio, afinal, ao tumulto e ao caos deliberadamente provocados por Jair Bolsonaro.

Há exatamente um ano, durante uma visita a um clube de tiro de Uberlândia, em Minas Gerais, Eduardo Bolsonaro chegou mesmo a dizer que seu périplo, de tão agradável, “nem soa como compromisso”.

Quando cumpre “compromissos” em clubes de tiro, Eduardo Bolsonaro costuma se fazer acompanhar por políticos locais ligados ao armamentismo e, claro, ao bolsonarismo. Um deles é um ex-assessor de Eduardo, Paulo Chuchu.

Paulo Chuchu:

Só nas últimas semanas, Eduardo Bolsonaro visitou, por exemplo, o Clube de Tiro Boatto, em Birigui, São Paulo, que oferece “day use” de armas de fogo; o Clube de Tiro Assault, em São Bernardo do Campo, São Paulo também; e o Clube de Tiro Javali, da cidade de Luis Eduardo Magalhães, Bahia. Há uma semana, o Clube de Tiro Javali fez uma associação entre o PT e o Talibã:

‘Cloroquina contra a Covid, armas contra o crime’

Se Bolsonaro é o senhor das armas, Eduardo é seu embaixador num Brasil paralelo, por assim dizer, que não para de se expandir à imagem, semelhança e, não menos importante, a serviço do seu nada santo padroeiro.

Se hoje sabemos que a recusa inicial do governo às vacinas contra a covid-19 não foi mero e estúpido negacionismo, mas sim “negocionismo”, de modo semelhante a gana de Bolsonaro por “armar o povo” – na verdade, a minoria que lhe é fiel – não obedece, não senhor, a mero e estúpido ronco ideológico.

“’Cloroquina contra a Covid, armas contra o crime’. Esta é a receita do presidente da República. Despreza a ciência e revela a falta de políticas públicas de saúde e segurança. O pior é que oculta objetivo inconfessável”, anotou o sociólogo Antonio Rangel Bandeira em artigo publicado no último 15 de junho na Folha de São Paulo.

Desde que tomou posse, Bolsonaro já assinou mais de 30 decretos, portarias ou projetos de lei autorizando, por exemplo, uma pessoa “idônea” registrada como CAC (Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador) a ter posse de até 60 armas de fogo, sendo até 30 de uso restrito, e comprar até 180 mil cartuchos e até 20 quilos de pólvora por ano.

“Um dos decretos aumenta a quantidade de pólvora para os CACs de 12 kg para 20 kg, suficientes para a fabricação de 40 bombas!”, exclamou Antonio Rangel Bandeira em seu artigo na Folha.

Como aparente contrapeso à febre, à farra do berro e do pipoco, Bolsonaro vem mantendo a obrigatoriedade de o candidato à posse e ao porte de armas de fogo passar por treinamento especializado – nos clubes de tiro.

Em fevereiro deste ano, Bolsonaro tentou fazer passar uma rajada de bala com a edição de uma tacada só de quatro decretos de “flexibilização” do Estatuto do Desarmamento, um deles abrindo a possibilidade de o laudo de capacidade técnica para ter armas, exigido por lei, ser substituído por um “atestado de habitualidade” emitido por eles, os clubes de tiro.

Este e outros pontos dos decretos de fevereiro foram suspensos liminarmente pela ministra Rosa Weber, mas a “habitualidade” de brasileiros em clubes de tiro já havia disparado. Em 2020 havia 1.345 estandes e clubes de tiro em operação espalhados pelo país, um aumento de nada menos que 791% em relação a 2019. Em 2020, funcionavam no Brasil 2.053 lojas de armas de fogo, 24% a mais do que no ano anterior.

Bible, bullets, beans

Na última sexta-feira, 27, no portão do Palácio do Alvorada, Bolsonaro discorreu, no melhor estilo dos rincões do Texas ou do Arkansas, sobre bible, bullets, beans, em mais uma verborragia presidencial de grande repercussão. Passou um tanto despercebido, porém, que o corvo falador tenha começado a grasnar naquela dia com a frase: “o CAC está podendo comprar fuzil”.

Dias antes, o SBT News, com base em dados do Exército obtidos via Lei de Acesso à Informação, deu conta de que tanto o número de armas registradas quanto o número de CACs no Brasil, estáveis, oscilantes até 2015, começaram a disparar – com trocadilho – a partir de 2016, ano do golpe.

Hoje, após dois anos e meio de governo Bolsonaro, o país já tem mais CACs, 410 mil, do que o número somado de militares das três Forças Armadas, e o número de CACs já se aproxima do número de policiais militares das 27 unidades da federação. Os colecionadores, atiradores desportivos e caçadores de javalis, e sabe-se lá mais de quem, já têm em mãos um arsenal de quase 700 mil armas de fogo.

Some-se a isso o fato de que, no governo Bolsonaro, o Exército Brasileiro reduziu o orçamento e o efetivo destinados às operações de fiscalização de lojas de armas, clubes de tiro e CACs, e talvez algum teórico da conspiração infira que talvez não seja só ao Exército de Caxias que o verme se refira quando fala em “meu exército”.

“Presidente, o problema de uma lei assim não é o senhor, nem os que com o senhor governam o país. O problema é o guarda da esquina”, disse Pedro Aleixo a Arthur da Costa e Silva quando da edição do Ai-5, na Ditadura Civil-Militar.

É improvável que nos dias que correm você saia de casa e não tope, não cruze, mesmo sem saber, com um CAC bolsonarista fazendo as vezes do guardinha da esquina. E se “ele está podendo comprar fuzil” tem um monte de clube de tiro vendendo. Um deles, que funciona 24 horas e é frequentado pelo jogador bolsonarista Felipe Melo, oferece até churrasco de brinde para quem comprar em seu balcão um Fuzil T4 calibre 5.56mm da Taurus.

É provável que uma turba de orgulhosos, indômitos milicianos da esquina lotem a praça dos Três Poderes e a Avenida Paulista no próximo 7 de setembro, dia do “último recado” de Bolsonaro ao Supremo e ao Congresso Nacional.

Um tiro no pé

O CAC da esquina, por seu turno, lembra uma cena do filme “Concorrência Desleal”, de Ettore Scola.

Numa casa de Roma onde vive gente demais de uma mesma família, três membros dessa família discutem preocupados a escalada da violência na Itália fascista no momento em que Mussolini consolida sua aliança com o Terceiro Reich.

De repente, chega da rua o cunhado do dono da casa, que sempre viveu ali um tanto encostadão, à custa do marido da irmã, lamentando-se pelos cantos, dia após dia cultivando um forte rancor pelos outros membros da família, a quem atribui seu próprio fracasso como ser humano, típico dos que fracassam em todos os sentidos tão somente pela própria pobreza de espírito.

Pois o sujeito, quando entra, aparece fardado, está da noite para o dia usando um uniforme do regime fascista. Ele entra de queixo erguido, sobranceiro, cantarolando algo sobre como é bom lutar pela pátria. De repente, começa a dar ordens nas mulheres da casa, que é a maneira de o pulha expressar a confiança de que finalmente irá “ser alguém”. Começa a discursar à moda marcial: “não há lugar para duas caras. É preciso varrer nos cantinhos, e nós vamos varrer!”.

Um outro membro da família, professor (interpretado por Gerard Depardieu), estupefato, diz: “está aí um sujeito coerente! Sem álibis! Orgulhoso! Indômito!”. O estúpido fascista agradece: “Finalmente, sábias palavras nessa casa!”. Estúpido, não percebeu que fora alvo de uma ironia.

Dias depois, antes que desse tempo de varrer nos cantinhos da própria casa, da própria família, o indômito acaba tendo um dos pés amputado após atirar em si próprio enquanto limpava a arma que puseram em suas mãos.

‘Esteja sempre preparado para qualquer situação’

O tiro dado no próprio pé por um instrutor do Clube de Tiro Big Boar (Grande Javali), de Brasília, ao sugerir mirar e atirar na cabecinha de um militante de esquerda, parece que ainda não foi suficiente para o Exército Brasileiro amputar-lhe as credenciais:

O instrutor do Big Boar, aliás, instruiu o indefectível Sergio Reis:

O clube de tiro Big Boar, aliás, já chegou a espalhar outdoors por Brasília com a foto de Bolsonaro e o slogan do Big Worm – “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Já o mote do próprio Big Boar é “venha fazer nossos cursos e esteja sempre preparado para qualquer situação”.

‘No meu clube, o 13 não entra’

Ainda sobre os serviços consulares do bolsonarismo junto a clubes de tiro, a deputada federal Carla Zambelli frequenta um deles, o ANVIL, de Campinas, em que o stand de tiro número 13, número eleitoral do PT, não existe: “assim dá mais sorte”.

As ‘Operações Especiais’ dos CACs

De resto, existe uma tal “Operações Especiais” dos CACs especialmente ligada a Roberto Jefferson e ao PTB refundado sob bases integralistas:

O PTB, que já foi de o Getúlio, Jango e Brizola, foi refundando sob bases integralistas para abrir às portas ao candidato à reeleição à presidência da República, para quem o futuro é “prisão, morte ou vitória“.

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