Nesta segunda-feira, 14 de março, completam-se quatro anos dos assassinatos da vereadora carioca Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, sem que os mandantes do crime tenham sido identificados. Mas, na verdade, parece que os mandantes do crime foram identificados há tempos, por dois homens, dois generais. Um é o mais forte cotado para ser candidato a vice-presidente da República na chapa de Jair Bolsonaro. O nome do outro desponta como eventual substituto do general Paulo Sergio no comando do Exército Brasileiro.
Aos fatos:
Outra efeméride de março é que o general Walter Souza Braga Netto completará no fim do mês um ano à frente do Ministério da Defesa, após ocupar a chefia da Casa Civil do governo Bolsonaro na volta anterior que a Terra deu em torno do Sol. No dia 30 de março do ano passado, Braga Netto rendeu o também general do Exército Fernando Azevedo e Silva no comando da Defesa. Esta não foi a primeira vez, porém, que Walter Braga Netto rendeu Fernando Azevedo e Silva.
Em setembro de 2016, apenas 23 dias após o Senado cassar o mandato de Dilma Rousseff, o então titular da pasta, Raul Jungmann, empossou Braga Netto na chefia do Comando Militar do Leste. Na ocasião, Braga Netto sucedeu justamente a Azevedo e Silva, que tinha assumido a gestão do CML em março de 2015, no meio da intervenção do Exército no complexo de favelas da Maré, na Zona Norte do Rio.
Em fevereiro de 2018, Michel Temer nomeou Braga Netto chefe da intervenção do Exército no Rio de Janeiro. Ao longo de 10 meses, Braga Netto foi o governador de fato do estado, mas não tinha completado ainda um mês de “mandato” quando Marielle Franco, cria da Maré, foi assassinada no Estácio. Neste meio tempo, Marielle bateu-se fortemente contra a intervenção, e bateu fortemente em Braga Netto:
Poucos irão se lembrar, mas Jair Bolsonaro, curiosamente, também:

Se a intervenção no Rio de Janeiro foi “um laboratório para o Brasil”, a intervenção na Maré havia sido um laboratório para a intervenção no Rio de Janeiro. Dois militares que tinham participado da intervenção na Maré foram nomeados por Braga Netto para postos-chave da intervenção federal no Rio: o general Richard Fernandez Nunes, que virou secretário estadual de Segurança, e o general Mauro Sinott Lopes, feito coordenador do grupo de trabalho da intervenção.
Hoje, Mauro Sinnott Lopes comanda a 3ª Divisão de Exército, o maior poder de combate da Força Terrestre, baseado em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Já o general Richard Nunes atualmente é o Comandante Militar do Nordeste, depois de ocupar durante dois anos e meio a chefia do Centro de Comunicação Social do Exército.
Richard Nunes, quando ainda era secretário de Segurança da intervenção, disse que o caso Marielle estava prestes a ser elucidado: “é um crime que tem a ver com a atuação política e a contrariedade de alguns interesses. Se a milícia não está a mando, está na execução. Provavelmente [tem político envolvido]”.
‘Acharam, de repente…’
Quando foi rendido por Walter Braga Netto na Defesa, Fernando Azevedo e Silva saiu do governo não exatamente atirando, mas pontuando um tanto enigmaticamente que enquanto ministro de Bolsonaro logrou malabares de preservar as Forças Armadas como instituições de Estado.
Em janeiro de 2019, logo após o fim da intervenção, o general Braga Netto também deu uma de esfíngico numa entrevista dada à revista Veja logo após o fim da intervenção militar no Rio de Janeiro, por ele chefiada e em cuja vigência Marielle foi executada com quatro balaços na cabeça disparados por um miliciano e vizinho de Jair Bolsonaro em um condomínio na Barra da Tijuca.
Em uma entrevista à revista Veja, quando perguntado sobre o motivo do assassinato de Marielle, se o crime teria sido uma tentativa de desmoralizar a intervenção, Braga Netto afirmou que não, e emendou: “aquilo [o assassinato] foi uma má avaliação deles. Avaliaram mal, acharam que ela é um perigo maior do que o que ela era”.
“Um perigo para quem?”, perguntou, estupefato, o repórter Leandro Resende, da Veja.
“Não vou entrar nesse mérito”, respondeu Braga Netto, para em seguida entrar em contradição, dizendo algo sobre que “acharam, de repente, que o estado, por estar sob intervenção, tinha desorganizado as polícias”…
Não tem grilo?
Já o ex-braço direito de Braga Netto na intervenção, general Richard Nunes, disse ainda em 2018, além de afirmar que o assassinato de Marielle provavelmente tinha envolvimento de políticos, que o crime vinha sendo planejado desde 2017 por gente que via na vereadora “uma ameaça a negócios de grilagem de terras na Zona Oeste do Rio”.
Entre 2016 e 2017, período de salto na evolução patrimonial do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, a mãe e a esposa do ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega, então chefe de uma milícia da Zona Oeste, na favela de Rio das Pedras, ocupavam cargos comissionados no gabinete de Flavio na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
Quando Adriano foi morto pela polícia da Bahia, em 2020, no sítio de um vereador bolsonarista e com pinta de queima de arquivo, o miliciano estava sendo procurado pelos crimes de receptação de mercadorias roubadas, cobrança irregular de taxas à população e grilagem de terras.
Em janeiro de 2019, logo após o fim da intervenção e quando saia a inacreditável entrevista de Braga Netto na Veja, o major da Polícia Militar Ronald Pereira foi preso por participação no assassinato de Marielle Franco. Ronald já vinha sendo investigado por crimes como agiotagem e, sempre, grilagem de terras. Ele era apontado como o chefe da milícia de outra favela da Zona Oeste do Rio, a da Muzema, onde são pujantes e notórios os empreendimentos da máfia no ramo imobiliário.
Entre 2003 e 2004, tanto Adriano da Nóbrega quando Ronald Pereira foram homenageados na Alerj – um com a Medalha Tiradentes, outro com moção honrosa – por recomendação de Flavio Bolsonaro.
Em abril de 2020, o Intercept Brasil publicou informações sigilosas de um inquérito do Ministério Público do Rio de Janeiro segundo as quais Flavio Bolsonaro lucrou com a construção ilegal de prédios erguidos pela milícia em áreas griladas nas favelas de Rio das Pedras e Muzema e financiados com dinheiro das rachadinhas de Flavio na Alerj, em esquema que era gerenciado por Fabricio Queiroz e que envolvia Adriano da Nóbrega e Ronald Pereira.

Segundo a investigação do MPRJ à qual a reportagem do Intercept teve acesso, parte do confisco de em média 40% dos salários dos servidores lotados no gabinete de Flavio Bolsonaro – a rachadinha – era repassada para Adriano da Nóbrega aplicar, digamos, em real state: “o lucro com a construção e venda dos prédios seria dividido com Flávio Bolsonaro, segundo as investigações, por ser o financiador do esquema usando dinheiro público”.
A descoberta do esquema de construção irregular em terrenos grilados e irrigado com dinheiro da rachadinha de Flavio Bolsonaro foi feita precisamente em meio aos desdobramentos das investigações sobre os assassinatos de Mariele Franco e Anderson Gomes.
Diz o Intercept:
“A ligação do ex-capitão com as pequenas empreiteiras envolvidas no boom da verticalização em Rio das Pedras e Muzema foi levantada em meio à investigação sobre as execuções da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, na noite de 14 de março de 2018. Foi a partir das quebras de sigilos telefônicos e telemáticos dos integrantes do Escritório do Crime que os promotores descobriram que o grupo paramilitar havia evoluído da grilagem de terras à construção civil, erguendo prédios irregulares na região e, assim, multiplicando seus lucros”.
Ainda segundo o Intercept, a famosa frase “O MP está preparando uma pica do tamanho de um cometa para empurrar na gente”, dita em 2019 por Queiroz em uma conversa de Whatsapp com um interlocutor não identificado, seria uma referência justamente à investigação sobre o uso de dinheiro público desviado no esquema das rachadinhas para financiar o boom de construções ilegais em Rio das Pedras e na Muzema.
A família Bolsonaro vem se valendo de todos os meios que o poder lhe proporciona para sabotar, embaralhar, obstruir as investigações tanto do assassinato de Mariele Franco quanto das rachadinhas de Flavio Bolsonaro na Alerj.
Já a imprensa brasileira de referência, até agora, parece não ter visto nenhum grilo nos possíveis nexos de todas estas informações, que são públicas, desde as declarações dos generais Braga Netto e Richard Nunes, lá atrás, até o teor do inquérito do MPRJ revelado pelo Intercept mais recentemente, envolvendo um senador e filho do presidente da República, e passando pelos laços de Flavio Bolsonaro com os milicianos – e grileiros – Adriano da Nóbrega e Ronald Pereira.
Que país é este que não faz questão de que tão perturbadoras conexões sejam de uma vez por todas esclarecidas?
O Planalto, a planície e a cova
Há poucas semanas, o general Fernando Azevedo e Silva desistiu de aceitar o convite para ser o fiador verde-oliva das eleições 2018; desistiu de assumir um cargo chave no TSE, no momento em que Jair Bolsonaro, Braga Netto e comitiva estavam em controversa viagem oficial – e de alguma maneira eleitoral – à Rússia. O motivo alegado foi um problema no coração.
O general Richard Fernandez Nunes, braço direito de Braga Netto na intervenção, é cotado para assumir o comando do Exército de Caxias, em eventual substituição ao general Paulo Sergio, caso o general Paulo Sérgio seja escolhido para suceder a Braga Netto no Ministério da Defesa.
É que no próximo 2 de abril, três dias após completar um ano na Defesa, e meses após condicionar a realização de eleições em 2022 à adoção do voto impresso, o general Walter Souza Braga Netto deve deixar o cargo para ser candidato a vice-presidente da República na chapa de Jair Messias Bolsonaro.
Neste domingo, o jornalista Lauro Jardim deu n’O Globo que se Braga Netto acabar não sendo o vice de Bolsonaro na tentativa de reeleição para o Planalto, o vizinho de Ronnie Lessa deverá recompensá-lo, então, com uma embaixada, “para não deixar o general na planície”.
Marielle, por seu turno, não teve escolha. “Eles avaliaram mal o perigo” e mandaram a vereadora do Psol não para Washington, Roma ou Paris, mas para a cova.
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