É um equívoco a interpretação da “saída honrosa” para os militares na questão do acossamento das Forças Armadas ao sistema brasileiro de votação eletrônica, às eleições de 2022.
Para que esta interpretação tivesse chance de ser verdadeira, teríamos que admitir, das duas, uma: ou Bolsonaro e o bolsonarismo são quem navegam as Forças Armadas, e não o contrário – e a história recente do Brasil é um índice do contrário; ou é genuíno o “espírito colaborativo” das Forças Armadas com o TSE, para usar expressão do general-ministro Paulo Sergio Nogueira.
Os militares, chegaram a ir ao Senado da República para dizer que um código malicioso pode ter sido inserido nas urnas eletrônicas para ser ativado no dia da votação, a fim de mudar votos.
Quando a Folha de S.Paulo informou que as Forças Armadas estão empenhadas em realizar uma “votação paralela”, com direito a militares em serviço fotografando QR codes de boletins de urna e enviando as fotos para o Forte Marechal Rondon, em Brasília, o TSE e o Ministério da Defesa desmentiram que tivessem firmado acordo neste sentido.
A Defesa, porém, não desmentiu a intenção de mobilizar militares em serviço na operação de Garantia de Votação e Apuração (GVA) para fins de “apuração paralela”, o que é francamente ilegal. O TSE simplesmente fingiu, e ainda finge, que isto não está prestes.
Nesta semana, o Ministério da Defesa anunciou a mobilização do Comando de Defesa Cibernética (ComDCiber), localizado no Forte Marechal Rondon, para atuar na GVA, o que é francamente inusitado: a GVA é uma operação de segurança física, não cibernética, para garantir o direito do voto, em municípios com problemas mais nevrálgicos de segurança pública.
O ComDCiber é a organização militar que esteve, que está no centro das perturbações que há meses o Ministério da Defesa e as Forças Armadas vêm causando ao processo eleitoral.
Em 2018, 30 mil militares, 2.100 viaturas, 27 aeronaves e 144 embarcações participaram da GVA no primeiro turno das eleições. No segundo turno, 138 embarcações, 22 aeronaves, 2.516 viaturas e 27 mil militares.
Aqueles de memória não tão curta hão de lembrar de uma cena da noite de 28 de outubro de 2018: a de militares que voltavam em comboio para o quartel após participarem da GVA sendo saudados num coro de “ô, ô, a Ditadura voltou”, na praia da Icaraí, em Niterói, no Rio de Janeiro, por uma multidão de verde e amarelo que comemorava a vitória de Jair Bolsonaro.
A questão militar relativa ao processo eleitoral de 2022 está em aberto. Não está resolvida. Poderia estar, mas os últimos presidentes do TSE, sobretudo Luis Roberto Barroso e Alexandre Moraes, julgaram, em jogadas arriscadas, que a melhor maneira de ela chegar a bom termo seria mantê-la em banho maria até o dia da votação.
A jogada de Barroso, ao convidar as Forças Armadas para fiscalizar urnas eletrônicas, mostrou-se um desastre. A ver em que resulta a jogada de Moraes, que, às vésperas das eleições, acena com “saída honrosa” a quem, há anos, tomou a decisão pela pior saída possível para a crise brasileira.