“O maior atentado à democracia desde a ditadura militar não foi um raio em céu azul, mas a precipitação de uma tempestade perfeita fabricada pela usina de despautérios radicada por quatro anos no Palácio do Planalto, que, dia e noite, vomitava sua fumaça preta no firmamento de Brasília”.

Assim começa o editorial “A força do golpismo”, do jornal O Estado de S. Paulo, publicado neste domingo, 5, como que bebendo na poética do livro de Gênesis. E segue:

“Na verdade, essa página da história da infâmia nacional foi rascunhada muito antes, nos idos dos anos 80, com o capitão Jair Bolsonaro planejando plantar bombas em quartéis. A facilidade com que os vândalos fatiaram as barreiras policiais no 8 de janeiro espelha a complacência em meio à qual o deputado do baixo clero Bolsonaro excretou seu destempero no Congresso por anos a fio. Mas seus vitupérios folclóricos – o delírio de fuzilar FHC e mais ‘uns 30 mil’, a blague abjeta aludindo ao estupro de uma colega ou a apologia a um torturador na tribuna da Câmara – são só as secreções mais repugnantes de um espírito profundamente autoritário e truculento que se imiscuiu sem resistência nas cavidades da República”.

Uma beleza, não? Mas vamos devagar e vamos beber na gênese dessa história.

O editorial do Estadão parece ouro, mas é fajuto, por um motivo: ele escamoteia, passa ao largo, não toca em fator absolutamente decisivo para a ascensão do bolsonarismo, fator este indissociável da grande marcha para trás que infelicitou o Brasil, que é o fato de a imprensa corporativa, da qual o Estadão é baluarte, não ter cumprido minimamente seu papel basilar de informar, esclarecer, diferenciar o que é do jogo da Democracia do que é inaceitável em um regime livre, democrático e republicano, ignomínia da qual o inglório editorial do Estadão “Uma escolha muito difícil”, de 8 de outubro de 2018, foi o estado da arte:

“De um lado, o direitista Jair Bolsonaro , o truculento apologista da ditadura militar; de outro, o esquerdista Fernando Haddad, o preposto de um presidiário. Não será nada fácil para o eleitor decidir-se entre um e outro”.

Quantas mães choraram, quantos filhos em vão rezaram, quantos noivos ficaram por casar no Brasil nos últimos anos por causa daquilo que se instalou no país graças a canalhices desse naipe?

Mas a imprensa corporativa fez pior. Além de especular com as forças que pretenderam tão claramente reduzir a Democracia a pó, pelo menos desde a dobradinha com a Lava Jato e a sanha lavajatista de criminalização da política, passando pela adesão ao “grande acordo nacional” para derrubar Dilma Rousseff e finalmente chegando à transigência com o bolsoguedismo, além disso, a imprensa corporativa fez muito pior.

Em 2018, pactuando com a conspirata da República de Curitiba e com um Supremo acovardado, esta imprensa foi peça central para neutralizar eleitoralmente as forças populares e democráticas reunidas em torno da candidatura de Luis Inácio Lula da Silva à presidência da República Federativa do Brasil, a única candidatura – até as rotativas sabiam – capaz de fazer frente à ofensiva bolsofascista para se imiscuir “nas cavidades da República”.

Agora, o Estadão publica um libelo contra condescendência das instituições com o golpismo, o autoritarismo e a truculência, que, diz o jornal, prosperaram “sem resistência”. O golpismo, diz o jornal, foi “normalizado”. De fato, mas olha quem fala. É como se Rodrigo Maia e Arthur Lira lançassem um manifesto a quatro mãos denunciando que o Congresso Nacional se omitiu ao não dar andamento a um dos muitos e para lá de justificados, para lá de incontornáveis – mas contornados – pedidos impeachment contra Jair Bolsonaro.

Um editorial, portanto, fajuto.

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