E quem, armado, discute se vai dar golpe como quem decide se vai de leite condensado ou prótese peniana?

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No ano passado, o almirante de esquadra Almir Garnier Santos colocou tropas à disposição de Jair Bolsonaro para impedir a posse de Lula. Foi o que disse, em delação premiada, o “menino Cid”, que é como o atual comandante do Exército, general Tomás Paiva, refere-se ao tenente-coronel-ajudante-de-golpe.

Tropas à disposição. Bem à moda, aliás, como o general Paulo Chagas disse em 2018 que tinha “a espada ao lado, a sela equipada, o cavalo trabalhado” após o então comandante do Exército, general Villas Bôas, ameaçar cumprir “missões constitucionais” caso o STF deixasse Lula concorrer nas eleições daquele ano. A ameaça, aliás – nunca é demais lembrar -, teve o dedo de Tomás Paiva, então chefe de gabinete de Villas Bôas.

A diferença é que Paulo Chagas era um general da reserva e Almir Garnier era comandante da Marinha.

Às vésperas das eleições do ano passado, este Come Ananás chamou atenção para o fato de que o então comandante da Marinha, Garnier, vinha professando, reiterando, às claras, adesão à construção da tentativa de golpe de Estado mais anunciada da história mundial.

No dia 6 de julho de 2022, por exemplo, Amir Garnier disse o seguinte em plena Câmara dos Deputados, na mesma audiência na Câmara na qual o então ministro da Defesa, general Paulo Sergio Nogueira, afirmou que a clonagem de cartões de crédito seria prova de que a urna eletrônica não é “imune a ataques”:

“Quanto mais transparência e quanto mais aperfeiçoamento, menores serão os riscos de termos dificuldades. Ninguém vai dizer que eu não tenho direito a ter opinião. E a minha opinião é: as leis devem ser respeitadas e não devem ser torcidas. E mais do que isso: nós temos que ter mais transparência e mais auditoria”.

Dizia o Come Ananás naquele artigo:

“‘Mais transparência, mais auditoria’ nas urnas eletrônicas: eis a senha, o código, o aceno com que os golpistas deste adiantado de Brasil se reconhecem entre si e se fazem reconhecer publicamente”.

Diante da delação de Almir Garnier por Mauro Cid, voltou às paradas o single de que não houve envolvimento das instituições Forças Armadas na construção da tentativa de golpe, apenas de pessoas. “Pessoas que eventualmente sejam militares”, chegou a dizer Flavio Dino. A pessoa eventualmente fardada da vez era ninguém menos que um dos três comandantes de Força? Só mais um detalhe a ser ignorado.

Outro é que, antes de livrar a cara do general Freire Gomes, o “menino Cid” recebeu na prisão visitas de pelo menos 11 generais. Três deles da ativa. Um deles do Alto Comando do Exército.

Sob o Código Garnier, vamos chamar assim – “mais transparência, mais auditoria” -, Exército e Força Aérea, tanto quanto a Marinha, colaboraram com a urdidura de golpe desde o segundo semestre de 2021 e ao longo de todo o ano de 2022.

Se não estava na boca do general Freire Gomes e do tenente-brigadeiro do Ar Baptista Junior, como esteve na do almirante de esquadra, o Código Garnier transborda dos documentos que comprovam o envolvimento institucional, sim senhora, sim senhor, dos comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica nos ataques às urnas eletrônicas, conforme este Come Ananás mostrou semanas atrás.

Os bombardeiros incansáveis e implacáveis ao sistema brasileiro de votação eletrônica, pedra angular da escalada golpista, foi uma operação de terra, mar e ar, coordenado pelo Alto Comando das Forças Armadas.

Além disso, no período eleitoral, o centro de comunicação do Exército foi mobilizado para desmentir notícias publicadas na imprensa de que o Alto Comando da Força havia fechado questão por não embarcar em aventuras golpistas. Repetindo: o Exército se empenhou em desmentir notícias de iria respeitar o resultado das eleições. Veja aqui e aqui.

A horas do primeiro turno, o Exército chegou a ameaçar com um processo judicial um jornalista do Estadão que havia publicado a informação de que o “Alto-Comando do Exército diz que ‘quem ganhar leva’ a Presidência e se afasta de auditoria dos votos”.

Após as eleições, com Lula eleito, o Exército acalentou os acampamentos golpistas montados na frente de quartéis de norte a sul do país.

O general Freire Gomes, o almirante Garnier e o brigadeiro Baptista Júnior chegaram a divulgar nota conjunta de apoio aos acampamentos que pediam “intervenção militar”, ratificando mesmo os delírios que motivavam as chocadeiras de terroristas. A nota falava em “corrigir arbitrariedades ou descaminhos autocráticos”, em clara referência ao TSE e a Alexandre de Moraes, e reivindicava institucionalmente – e ilegalmente – para as Forças que comandavam o papel de “moderadoras nos mais importantes momentos de nossa história”.

Ao mesmo tempo, entre o fim do processo eleitoral de 2022 e os ataques do 8/1, as Forças Armadas condecoram todos – todos – os 10 militares da assim chamada Equipe das Forças Armadas de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação. Um deles chegou a ser barrado pelo TSE por postar notícias falsas sobre as urnas eletrônicas.

No ano passado, a sociedade civil percebeu, ainda que tardiamente, a construção golpista em curso, e houve reação, do que foram episódios destacados o ato do dia 11 de agosto no Largo de São Francisco para a leitura da “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito” e a posse de Alexandre de Moraes na presidência do TSE, transformada em grande ato de defesa da Democracia.

Na hora agá, os milicos se dividiram, e o golpe perdeu força. Pesou, claro, o tanto que teriam que pagar em caso de darem com os tanques n’água. Ou o tanto que poderiam perder. O general Freire Gomes, por exemplo, tirou R$ 37.792,02 em julho em remuneração militar básica bruta, e bota bruta nisso.

Mesmo assim, no 8/1, as guarnições militares que deveriam proteger o Palácio do Planalto desapareceram. Na CPMI do Golpe, o general Gonçalves Dias, chefe do GSI no 8/1, deu a entender que foi traído. O comandante militar do Planalto, general Dutra, chegou a mover tropas para o meio da rua para impedir uma operação policial para prender os golpistas que refluíram para o acampamento do Forte Apache após a dispersão na Praça dos Três Poderes.

A imprensa dá conta de que Mauro Cid disse em delação que Bolsonaro discutiu o golpe com o Alto Comando do Exército após a vitória de Lula nas urnas. A se confirmar, que fazer com generais de Exército que deliberam se dão o golpe ou se deixam a vida nos levar como quem pondera se vai comprar milhões de latas de leite condensado ou R$ 3,5 milhões em próteses penianas?

O Exército comprou os dois, cada um a seu tempo.

Bastariam, porém, os fatos desde antes conhecidos para prender preventivamente todo o Estado-Maior do Ataque às Urnas e do Golpe, para que não destruam provas ou ameacem testemunhas, como foram presos Anderson Torres, comandantes da PM de Brasília e o próprio Cid.

Há quem possa optar por fazer as vezes do pior dos cegos. E há quem, pela posição que ocupa, não tenha o direito de não enxergar, sob pena de cometer crime também.

Por ora, porém, estamos sob outro código, o Código Múcio, o ministro da Defesa de Golpistas que nesta quinta-feira, 21, saiu dizendo que só de uma coisa ele tem “certeza cristalina”:

“O golpe não interessou em momento nenhum às Forçar Armadas, são atitudes isoladas de componentes das forças. Devemos ao Exército, Marinha e Aeronáutica a manutenção da nossa democracia”.

Que ninguém se engane: olha a cara de José Múcio “Milicos” Monteiro, cara de que vai ter anistia.

Fonte: Ministério da Defesa.

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Comentários

Uma resposta

  1. Avatar de José de Souza
    José de Souza

    Delação Combinada

    Peça chave no inquérito que investiga a intentona de 8 de janeiro, o ex-ajudante de ordens do inominável resolveu “colaborar”. O oficial, confiante na permanência no poder de seu chefe, foi descuidado e deixou inúmeras pontas soltas. A abundância das marcas de batom na cueca o deixou numa situação extremamente delicada. Não teve outra alternativa a não ser colaborar para minimizar os danos pessoais que certamente irá sofrer.

    A tal colaboração (ou delação) premiada, como se sabe, quase sempre é uma “delação combinada”.

    Uma combinação que começou logo após a prisão cautelar do sujeito, com uma verdadeira romaria de oficiais de alta patente à sua cela. Certamente não foi por simples motivação humanitária que seus irmãos de farda o procuraram.

    Claro que essas visitas e conversas prosseguiram posteriormente por outros canais, em meio a duas trocas de advogados da sua defesa. Tratou-se de uma negociação difícil, obviamente.

    Com a carreira arruinada, com repercussão em seus familiares, na iminência de passar um período longo na cadeia, sem qualquer vocação para ser mártir, não poderia ser o “boi de piranha” da ocasião. Foi compelido a colaborar.

    Portanto, o conteúdo dessa delação refletirá o arranjo de bastidores feito em conluio com os seus superiores. Tudo cuidadosamente planejado para salvaguardar a instituição militar, particularmente o exército.

    Se existiu a intenção de dar um golpe, a ideia teria vindo dos assessores civis do então presidente, prontamente rejeitada pelos comandantes militares. Para que essa tese não ficasse por demais inverossímil, tinham que envolver algum graúdo. Aí entra o almirante rebelde, que não quis se dobrar aos enviados do departamento de estado dos EUA, que foram os que de fato dissuadiram os militares da ideia golpista.

    Novas revelações desta colaboração premiada virão, mas tudo dentro do mesmo roteiro.

    Quanto ao ex-presidente, bem, cada um que cuide de seus problemas. Não há mais nenhuma vantagem para os generais em protegê-lo. Para eles, virou um leproso do qual querem distância.

    O que vai ficar embaixo do tapete, que a “grande imprensa” já deve ter sido orientada a não investigar, é o que faziam os “kids pretos” na Esplanada. Eles não agem sem ordens superiores. Era uma operação de amplo conhecimento dos comandantes militares ou iniciativa clandestina de alguma dissidência? Tudo indica que ficaremos sem saber. Como ocorreu no passado no caso Para-Sar e no Riocentro. O golpismo militar sobrevive, à espera de uma nova oportunidade.

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