No último 9 de fevereiro, o deputado Sargento Fahur (PSD-PR) berrou o seguinte na tribuna de um dos auditórios da Câmara: “Flavio Dino, vem buscar minha arma aqui, seu merda!”.
A, digamos, “referência” foi à portaria do Ministério da Justiça que determinava prazo de 60 dias para os CACs recadastrarem no Sistema Nacional de Armas (Sinarm), gerido pela Polícia Federal, suas armas de fogo compradas na vigência dos decretos armamentistas editados por Jair Bolsonaro – aqueles editados sob o mote de “não é sobre armas, é sobre liberdade” e “um povo armado jamais será escravizado”.
Determinava. Nesta quarta-feira, 29, o Diário Oficial da União trouxe decreto do presidente Lula e do Ministro da Justiça, Flavio Dino, estendendo em um mês o prazo para que os colecionadores de armas de fogo, atiradores e caçadores de javali (CACs) cadastrem suas armas no Sinarm. O prazo terminava no próximo 3 de abril. Agora, termina no próximo 3 de maio.
A extensão do prazo foi um pedido levado pessoalmente a Flávio Dino por deputados bolsonaristas-armamentistas. Dino os recebeu no dia 21 no Ministério da Justiça. Entre eles estava o Sargento Fahur.
A agenda oficial informou “reunião com a comissão de segurança pública e combate ao crime organizado”. A pauta única, porém, foi o adiamento do deadline – e bota dead nisso – para os CACs informarem à PF o que andaram comprando durante a farra do berro e do pipoco promovida no Brasil por aquele que nesta quinta-feira, 30, voltou a pisar em solo pátrio.
Os deputados bolsonaristas-armamentistas não fazem questão de esconder que tentaram – e conseguiram – adiar o prazo para o cadastramento não exatamente para os CACs terem mais tempo para informarem suas armas, única razão imaginável para o governo anuir com o adiamento. Ao contrário. A ideia é ganhar tempo para tentar derrubar o cadastramento ou anular as consequências previstas para quem se recusar a cadastrar suas armas.
No dia 15 de fevereiro, Come Ananás mostrou que a bancada do tiro protocolou na Câmara com rajada de Projetos de Decreto Legislativo – que não precisam de sanção presidencial – para “desrevogar” os decretos armamentistas de Bolsonaro e visando sustar a portaria do MJ que determina o cadastramento no Sinarm.
No dia 21, um deputado apresentou na Câmara um projeto de lei de viés casuístico que visa impedir a apreensão de armas de fogo de CACs que não fizerem o cadastramento no Sinarm. O autor do PL é o deputado estreante Marcos Pollon (PL-MS), fundador do Movimento Pró-Armas. Pollon liderou a comitiva de deputados-atiradores que foi ter com Dino para pedir a prorrogação do prazo para cadastramento.
A capa e a túnica
Na última terça-feira, 28, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Flavio Dino disse que o problema de muitas armas com civis é um problema de crime comum, com armas compradas legalmente indo parar, via alguns CACs, nas mãos de facções criminosas como o PCC. Dado a citações bíblicas, Dino disse na CCJ, para ilustrar seu raciocínio, que Jesus Cristo recrutou 12 apóstolos, e um se vendeu.
Há, porém, um problema de crime político: a disparada de armas e atiradores ditos “esportivos” no Brasil se deu sob aqueles cantos de “não é sobre armas, é sobre liberdade” e “um país armado jamais será escravizado”. E mais: sob a vinculação da compra de armas à atuação política, associando-se a decisão de comprar uma arma até a reagir a “luladrão” e “à corte que está destruindo o país”.
Ao longo do governo Bolsonaro, durante a campanha eleitoral e mesmo nos primeiros meses do governo Lula, o PT não faltou à denúncia de episódios de violência política associados ao armamentismo civil. Na CCJ, falando da nova legislação de armas que está por vir, Dino acenou, porém, com uma “mediação entre os vários valores existentes na sociedade”; “uma mediação com aqueles que professam valores diferentes dos nossos”.
Dado a ilustrar com versículos, não demora e Dino citará, diante de CACs, Lucas 6:29:
“Se alguém bater em você numa face, ofereça-lhe também a outra. Se alguém tirar de você a capa, não o impeça de tirar a túnica”.