Quando Jair Bolsonaro claramente se recusou a aceitar a derrota para Lula, naquele pronunciamento tardio, dois dias após a eleição, a imprensa e parte do “lá de cá” correram para dizer que tinha acontecido justamente o contrário, numa espécie de wishful kicking diante da esfinge miliciana do Palácio do Planalto.
Quando pipocaram os bloqueios nas estradas, achou-se por bem adotar o princípio, a tática e a estratégia do avestruz, supostamente para não dar moral para golpista, como se o tamanho e o fôlego das mobilizações inimigas dependessem de nós outros ou da imprensa profissional, e não de uma rede de financiamento e incitação claramente organizada em todo o território nacional – e o trabalho da imprensa teria sido fundamental justamente para a identificação dos responsáveis e, logo, para a desmobilização da arruaça.
A mesma coisa, sob a mesma justificativa, só que com mais altos graus de indiferença, aconteceu quando os bloqueios nas estradas “reinventaram-se”, por assim dizer, em grandes mobilizações golpistas na frente de organizações militares, de novo rapidamente, simultaneamente e em todas as unidades da federação.
Quando, após a eleição, começaram a aparecer números do esfacelamento dos cofres públicos causado pelo criminoso orçamento secreto e pela criminosa derrama de recursos feita por Jair Bolsonaro em sua tentativa desesperada de se manter no poder, começaram a aparecer também profilaxias de que tocar no assunto seria “alarmismo” e acabaria empurrando o novo governo no colo de um ajuste fiscal.
Nesta quarta-feira, quando o Ministério da Defesa divulgou o relatório de “fiscalização” das urnas eletrônicas pelas Forças Armadas, quem correu para saber o teor da coisa pela imprensa, e não pelo PDF, foi informado de que teor do relatório não passou de “não houve fraude”.
Que o relatório dos militares tenha sido uma coletânea de suspeitas lançadas sobre a eleição, visando atiçar a brasa do golpismo, isto foi olimpicamente varrido para debaixo do tapete e, junto com isto, a questão militar, cujo debate à luz do dia, para ontem, é condição sine qua non para este país pensar em reconstrução nacional sobre bases verdadeiramente democráticas e republicanas.
Na esfera institucional, Alexandre de Moraes, com o relatório dos militares em mãos, agradeceu ao Ministério da Defesa, dizendo que o TSE o recebeu “com satisfação”. Se o diretor da Polícia Rodoviária Federal, Silvinei Vasques, já tinha recebido de Moraes uma senha para a impunidade, quando Moraes disse que a operação da PRF que tentou atrapalhar a votação no Nordeste foi na verdade contra “pneus carecas e faróis queimados”, o general Paulo Sergio acaba de receber a sua também.
Há tantos anos batemos na tecla de que, por um lado, o combustível para a Grande Marcha Para Trás na qual o Brasil se meteu são as “fake news”, as notícias falsas, a informação descontextualizada, enviesada; por outro, de que o melhor anticombustível para o nosso inimaginável retrocesso é a informação fidedigna, o rigor com os fatos, o esclarecimento, a verdade.
Súbito, porém, prevaleceu o entendimento de que os contrafogos da verdade é que podem incendiar não exatamente a pradaria, mas sim os ajuntamentos bolsogolpistas na frente dos quartéis. Desde quando a verdade passou a servir ao fascismo, ao golpismo, a Jair Bolsonaro?
Há uma contradição latente entre a “avestrulização” da imprensa e de parte do “lado de cá”, especialmente após a vitória eleitoral da frente democrática, e o entendimento de que a chamada “pacificação” do Brasil passa pelo escancaramento e incriminação dos responsáveis pelo esfolamento do país, inclusive institucional; o entendimento de que junto com a vitória veio a tarefa incontornável de não deixar mais acontecer.
Avestruzes não ajudam.
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