A Folha de S.Paulo, que já tinha revelado a ligação de Daniela do Waguinho (União Brasil-RJ) com um miliciano da Baixada Fluminense – o ex-PM Juracy Prudêncio, vulgo Jura, que tem uma centena de cadáveres nas costas -, a Folha, dizíamos, identificou outras conexões da nova ministra do Turismo com milícias fluminenses.
A Folha dá conta, por exemplo, de que Waguinho, prefeito de Berlford Roxo e marido da ministra, nomeou parentes do ex-vereador e ex-presidente da Câmara belforroxense Márcio Pagniez, vulgo Marcinho Bombeiro, mesmo após ele ser preso por homicídio e por chefiar a milícia “Tropa do Marcinho”. A irmã e o pai do Bombeiro foram nomeados em dezembro de 2021 e agosto de 2022, respectivamente. Marcinho Bombeiro foi preso em outubro de 2019. Waguinho é também presidente do União Brasil-RJ.

A Folha informa ainda que, após contato da reportagem, Daniela do Waguinho foi à internet apagar fotos de um ato de campanha que fez no ano passado no bairro Andrade Araújo, em Belford Roxo. O bairro é covil da “Tropa do Marcinho”. Na ocasião, Daniela do Waguinho foi recebida no bairro-covil por Rosimery e Aracimy, a irmã e o pai de Marcinho Bombeiro nomeados por Waguinho. O filho do Bombeiro, Matheus, também militou naquela dia na campanha da futura ministra do Turismo.
Em 2022, Daniela fez campanha ao lado também de Fábio de Oliveira Brasil, vulgo Fabinho Varandão, outro acusado de chefiar milícia na Baixada. Varandão é réu por extorsão e porte ilegal de arma. Chegou a ser preso, em 2018. A juíza do caso fez constar nos autos que ele “impõe o terror no município”. Hoje, responde ao processo em liberdade. Em um vídeo de setembro de 2022, Varandão aparece em um comício no bairro Lote XV, em Belford Roxo, pedindo “encarecidamente que vocês ajudem os meus deputados a serem os deputados mais votados do Rio de Janeiro”.
Referia-se a Daniela do Waguinho e ao candidato a deputado estadual Márcio Canella, também do União Brasil.
‘Meu grupo nunca me abandona’
“Meu grupo político que nunca me abandona”, disse Varandão ao microfone naquele dia, naquele palanque, naquele bairro de Belford Roxo, referindo-se outra vez a Daniela do Waguinho e Márcio Canella.
Com toda esta ajuda, Daniela foi eleita para seu segundo mandato na Câmara dos Deputados e foi, de fato, como queria Varandão, a candidata a deputada federal mais votada no estado do Rio de Janeiro nas eleições 2022, sufragada por 213.695 pessoas. Como também queria Varandão, Márcio Canella foi o campeão das urnas no Rio para deputado estadual: 181.274 votos.
Ajudada pela máfia, pela milícia da Baixada Fluminense, Daniela do Waguinho, por seu turno, ajudou Lula a amealhar votos na Baixada para a vitória apertada da candidatura antagônica à do milicano-mor na disputa pela presidência da República. Teria sido por essa ajuda que Daniela virou ministra do Turismo, no rol da composição do novo governo com o União Brasil – ou, quem sabe, por mui tortas linhas, com a Baixada Fluminense.
Nas redes sociais, Varandão comemorou a nomeação de Daniela para o Ministério do Turismo reunindo na mesma postagem as seguintes hashtags:
#prefeitowaguinho
#vereadorfabinhovarandao
#deputadadanieladowaguinho
#lula
Ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa considera, porém, que a presença de Daniela do Jura no primeiro escalão do governo Lula não provoca “desconforto”. Jura? Ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta disse nesta sexta-feira, 6, na TV, que apontar ligação de Daniela do Bombeiro com milicianos é algo “subjetivo”. Ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha afirmou, sobre Daniela do Varandão, que “tudo o que aconteceu até agora não desabona em nada a grande deputada”.
‘Direitos humanos sou eu’
Sobre as fotos apagadas por Daniela do Waguinho, as fotos do ato de campanha no covil da “Tropa do Marcinho”, a Folha de S.Paulo diz que elas “seguem disponíveis na página do deputado estadual Márcio Canella, com quem Daniela fez ‘dobradinha’ nas eleições de 2018 e 2022”. Bota dobradinha nisso: em 2018, Márcio Canella contribuiu com R$ 104 mil para a campanha irmã.
Se Daniela fez dobradinha com Márcio Canella, Márcio Canella é dado a dobradinhas com Marcus Amim, um delegado de polícia do Rio de Janeiro que acumula o cargo com o de comentarista de programa “espreme que sai sangue” do SBT, no qual anuncia chacinas na TV, ao vivo, dizendo coisas como “nós vamos manchar o ambiente com o sangue sujo de vocês”.
Em uma das suas aparições na TV de Silvio Santos, Marcus Amim declarou que “defensor dos direitos humanos sou eu”, diferenciando-se daqueles que classificou como “falsos defensores dos direitos humanos”.
Como Marielle Franco?
Cara, boca, pé, olho e corpo
Em 2018, ano da execução de Marielle, Marcus Amim ganhou a Medalha Tiradentes, maior honraria do estado do Rio, por indicação de Márcio Canella. Na época, o jornal O Dia, do Rio, apresentou assim o mais novo comendador da praça: “Amim é quem investiga a comercialização de 117 fuzis apreendidos numa ação que prendeu o sargento da PM reformado Ronnie Lessa, acusado de matar a vereadora Marielle Franco”.
No ano passado, Waguinho – o da Daniela – e Márcio Canella, velhos parceiros, foram denunciados pelo Ministério Público do Rio por peculato, concussão, fraude a licitação e organização criminosa. A denúncia relata até licitação resolvida à mão armada na prefeitura de Belford Roxo. A Justiça fluminense ainda não decidiu se fará dos parças réus. Sem pressa, excelências.
Outro policial que ganhou a Medalha Tiradentes, em 2015, foi o ex-PM Fernando Cardoso do Amaral, por indicação do então deputado estadual Waguinho, mesmo após Fernando ter sido preso por comandar um grupo de extermínio que matou 20 pessoas num intervalo de um ano. Em fevereiro do ano passado, Fernando e sua esposa foram nomeados, por Waguinho, assessores da prefeitura de Belford Roxo.
Mais um ex-PM galardoado com a Medalha Tiradentes: Adriano da Nóbrega, em 2005, por indicação do então deputado estadual Flavio Bolsonaro. À moda como Waguinho empregou uma miríade de milicianos e parentes de milicianos na prefeitura de Belford Roxo, Flavio Bolsonaro empregou na Alerj parentes do Capitão Adriano, suspeito de envolvimento no caso Marielle e morto em 2020 pela PM da Bahia, com cara de queima de arquivo, boca de queima de arquivo, pé de queima de arquivo, olho de queima de arquivo, corpo de queima de arquivo.
Nomeações de mafiosos e seus parentes, condecorações de homicidas, homicídios, voto miliciano: as conexões de Daniela do Waguinho e do seu grupo político com milícias do Rio de Janeiro em tudo lembram – cara, boca, pé, olho e corpo – os elos dos Bolsonaro “com as mesmas”, inclusive, no caso dos Bolsonaro, com o apertador de gatilho e com os agenciadores do assassinato de Marielle.
Daniela do Waguinho e Giane do Jura
Há 15 anos, em 2008, o relatório final da CPI das Milícias da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro apontou Juracy Prudêncio, o Jura, cúmplice dos Waguinho, como chefe da milícia “Somos Comunidade”, com área de atuação em vários bairros de Nova Iguaçu. O relatório diz que Jura, que chegou a ser candidato a vereador, “estaria ameaçando os moradores a votarem nele dizendo que ‘cabeças vão rolar’ se ele não se eleger”.
Dez anos mais tarde, nas eleições 2018, Juracy Prudêncio, já condenado por homicídio e associação criminosa, pediu votos, desta vez, para Daniela do Waguinho, atuando diretamente na vitoriosa campanha de Daniela para seu primeiro mandato de deputada federal. Na estrondosa vitória de Daniela para o segundo, em 2022, a esposa de Juracy, que está preso, foi quem o substituiu na militância. O nome da cabo eleitoral de Daniela do Waguinho? Giane do Jura.

Hierarquia
A CPI das Mílícias da Alerj foi viabilizada e presidida pelo então deputado estadual Marcelo Freixo. Quinze anos depois da apresentação do relatório, Daniela do Waguinho vira chefe de Freixo, nomeado para a Embratur. É um acinte.

Mas é muito pior do que isso. A presença de Daniela do Waguinho no ministério de Lula é uma afronta a um país que muito lutou para, elegendo Lula, fazer cessar o que é inaceitável; a um Brasil maltratado, trucidado, enlutado, mas cheio de esperança de um enfrentamento resoluto contra tudo aquilo de mais insuportável que caraterizou a Sétima República Brasileira, a República das Milícias.
É um insulto ter Daniela do Waguinho, política de estimação de um cortejo de milicianos, compondo o alto escalão do novo governo lado a lado com Anielle Franco, que, segundo a própria, foi “intimada” por Lula a assumir a Igualdade Racial, representando a irmã assassinada na esplanada dos ministérios.
A esplanada, porém, é pequena demais para Daniela e Anielle, para Daniela e Marielle. Vamos em frente com Marielle da Maré ou com Daniela do Waguinho, do Jura, do Bombeiro, do Varandão, do bonde todo?

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