Meses atrás, aconteceu em Copacabana, no Rio de Janeiro, a reinauguração do Centro de Treinamento Osvaldo Alves, que fica na rua Ministro Viveiros de Castros – ex-ministro do STF. A reinauguração do CT, que leva o nome da “Enciclopédia do Jiu-Jitsu”, contou com a presença de um lutador para lá de ilustre: o atual ministro do STF Luiz Fux, que é faixa vermelha e branca na chamada “arte suave”.
Luiz Fux recebeu a faixa vermelha e branca, oitavo grau da faixa preta do jiu-jitsu, das mãos do próprio Osvaldo Alves, em 2020, em Manaus. Na ocasião, o “Grande Mestre” ressaltou que “apenas cinco pessoas no mundo têm essa graduação”, e garantiu que Fux a recebeu “pelas qualidades, não por ser ministro, mas pela pessoa que é”.
E pelo tempo de tatame. Se o cargo que Fux ocupa declara seu “notório saber jurídico”, a faixa que exibe no quimono informa a experiência do ministro no jiu-jitsu: só é possível para um lutador virar faixa vermelha e branca após muitas décadas de chaves de perna, braço e ombro, montadas, estrangulamentos e triângulos de mão.
Osvaldo Alves morreu no ano passado, aos 83 anos. Há uma década, em 2013, Luiz Fux aplicava da seguinte maneira, no STF, os saberes passados pelo “Grande Mestre”, ao votar, como relator, por não tornar réu um deputado federal denunciado por aplicar uma surra de 40 minutos à ex-mulher em 2006:
“Não só por experiência pessoal, mas porque tenho um gosto específico por esporte, sabe-se que nem num torneio de Mixed Martial Arts (MMA) se permite que uma pessoa apanhe durante 40 minutos porque uma surra de 40 minutos é conducente à morte. Só para termos uma ideia, esses lutadores bem preparados fisicamente lutam três rounds de cinco minutos por um de descanso”.
Com a faixa vermelha e branca sobre a toga preta, Luiz Fux votou pela rejeição da denúncia contra o deputado porque, afinal, no peito da denunciante seguia batendo um coração. Gilmar Mendes e Dias Toffoli acompanharam Fux na douta tese MMÁstica de que não havia indício de espancamento, antecipando o ensinamento de outro “Grande Mestre”, o do Powerpoint, Deltan Dallagnol: “in Fux we trust”.
In Fux, não em um laudo do IML que atestou lesões nos braços e nas pernas da vítima, ou no depoimento de uma babá que disse em juízo que a patroa gritava “você não é meu dono” enquanto era arrastada pelos cabelos.
Pois outro arrazoado levantado por Fux pela rejeição da denúncia foi que, no curso das coisas, a mulher agredida acabou retirando a acusação de espancamento e testemunhas mudaram seus depoimentos, no mesmo sentido. Foi necessário que Ricardo Lewandowski repisasse na mais alta instância judiciária brasileira algo do mais elementar sobre violência contra mulheres:
“Eu vejo com muita reserva a retratação da vítima nesses casos, em se tratando de mulheres agredidas, sobretudo tendo em conta aquele fenômeno que o eminente ministro Celso de Mello trouxe à baila, que é o patriarcalismo ainda muito arraigado em certos rincões deste país, ainda atrasados culturalmente, e que pode, em casos como este, fazer com que a vítima responda com a própria vida”.
Apesar do relator, de Gilmar Mendes e de Dias Toffoli, a denúncia contra o deputado foi aceita pela maioria do STF, mas o político acabou absolvido, em 2015, por unanimidade pela Segunda Turma da egrégia corte suprema da República, formada na época por Mendes, Toffoli, Celso de Mello, Carmen Lúcia e Teori Zavascki.
Zavascki, relator do processo, citou como justificativa do seu voto a mudança de versão da “suposta vítima”; “o caráter precário da prova testemunhal, que, embora arrolada pelo próprio Ministério Público, contradiz a versão dos fatos narrados na denúncia”.
Foi com base nesta absolvição de 2015 que dias atrás o presidente da Câmara dos Deputados pediu à Justiça, e a Justiça aceitou, a censura de uma reportagem do site Congresso em Foco baseada em uma entrevista com sua ex-mulher, Jullyene Lins. Na entrevista, Jullyene diz que foi ameaçada, coagida a mudar seu testemunho e, além de reafirmar a acusação de lesão corporal, acrescenta, como já havia feito à Agência Pública, que no dia do espancamento Arthur Lira a estuprou.
E não se abala a República, esta República faixa preta, ou vermelha e branca, na “arte suave” de assobiar e olhar para o céu.